Para ficar bom de verdade, ou apenas para vender?

18 de julho de 2024

Cada negócio é um negócio, e cada empreendimento, único.

A não ser que os seus empreendimentos tenham sempre aqueles arquitetos “especialistas” em aprovação, que conhecem a legislação de trás para frente, mas que nunca ousam e só jogam seguro, sem invenção, repetindo as mesmas fórmulas, ano após ano, década após década. Aí, nada é único, e todos os empreendimentos são iguais.

Não admira que os prédios sejam todos muito parecidos, datados pelo tipo de cerâmica ou pela cor do granito de suas fachadas, pelo estilo das varandas ou, para falar de uma modinha “bem 2024”, marcados por curvas sinuosas com pintura branca, lembrando a proa de um navio ou algo parecido. 

Essa modinha “bem 2024” tem uma explicação, mas como no caso da paleta mexicana, do frozen yogurt e da calça boca-de-sino revisitada, são pouco mais do que referências tardias, mal copiadas e fadadas a um rápido esquecimento.

A explicação das curvas sinuosas se chamava Zaha Hadid, uma arquiteta iraniana radicada na Inglaterra que surgiu no cenário da arquitetura com projetos espetaculares, ousados e inovadores, com inspiração na aerodinâmica e nos fluxos de vento gerados sobre superfícies curvilíneas.

A genial arquiteta já ascendeu ao plano superior (e deve estar lá, tomando um chá com Frank Lloyd Wright, Oscar Niemeyer, Louis Kahn, Mies Van Der Rohe, Richard Neutra, Paulo Mendes da Rocha, Picasso, Calder, Klimt e outros luminares da história moderna), mas seu escritório continua insistindo nessa mesma fórmula, agora abatida e cansada, envergonhando seu legado com projetos cada vez menos interessantes e nada inovadores, provando que “a cabeça” era mesmo Madame Hadid, KBE.

O interessante sobre conceitos e ideias inovadoras é que exigem boa aplicação e muita densidade por quem concebe e por quem executa; caso contrário, denotam preguiça, pobreza de espírito e superficialidade. Ainda bem que as modinhas são passageiras, exceto quando aplicadas em prédios, porque esses permanecerão aí pelo tempo da nossa existência, e mais 100 anos. É modinha, mas – infelizmente – quase eterna.

Não é que o conceito não possa permanecer válido por décadas, mas para que mantenha a força e a densidade conceitual, precisa unir um objeto adequado (um museu, um estádio, uma pista de salto de esqui ou um prédio de porte e relevância), materiais adequados (lâminas metálicas, revestimentos metálicos ou ACM, vidros sofisticados, esquadrias especiais) e um projeto muito, muito, muito bom, concebido com competência e dedicação, um detalhamento tecnicamente impecável e sem concessões desimportantes.

E isso, meus caros, quase nunca acontece no mercado imobiliário nacional. 

Dizia na abertura do texto que “cada negócio é um negócio, e cada empreendimento, único”, aludindo às particularidades e distinções, como o peso que o custo de cada terreno terá num determinado empreendimento ou demandas técnicas particulares como subsolos, contenções especiais e outras.

Mas há algumas constantes na viabilidade de quase todos os empreendimentos, como por exemplo a verba de publicidade e marketing, na casa dos 2% a 3%, assessoria imobiliária para venda das unidades (a corretagem), na casa dos 4% a 5% quando em lançamentos imobiliários, e os impostos diretos e indiretos em cada insumo, material, equipamento, mão de obra e subcontratados (indizíveis), sempre em relação ao valor geral de vendas (o VGV).

Mas há uma outra que também é uma das “constantes” em qualquer viabilidade: o projeto de arquitetura. Em alguns mercados e empreendimentos, seu valor fica próximo a 1%, e raramente acima disso. O mais frequente é que fique – muito – abaixo do 1% sobre o valor geral de vendas, na grande maioria dos empreendimentos.

Pensemos juntos: as incorporadoras a toda a publicidade dizem que seu foco está no cliente e na vida feliz que o comprador terá naquele empreendimento, mas os números contam uma história muito diferente.

Os números confirmam pouquíssima atenção e investimento na arquitetura (e, por consequência, na ambiência e na qualidade do espaço), com oito vezes mais investimentos na comercialização daquele produto e na divulgação das amenidades que o prédio tem em suas áreas comuns. O foco não está, portanto, no futuro morador, mas na venda. Não está no apartamento, mas na área comum do prédio.

É inevitável se perguntar: quando o foco está tão fortemente concentrado na venda da área comum, será que o apartamento é ruim, pobre, sem graça, sem qualidade?

É como vender um casaco que não protege do frio, mal concebido, errado, feio, mas intensamente “marketeado” para convencer que, mesmo que não se proteja do frio, você será feliz usando o casaco.

O que chama a atenção é que ninguém, ninguém mesmo, desenvolve relações afetivas com a área comum de um prédio. Desenvolve, sim, com a sua casa, com o seu prédio (quando é lindo, especial, único) e com o seu bairro.

Eu tenho a resposta, mas vou na contramão do mercado: quando o projeto de arquitetura é muito bom, consistente, inovador, único e com personalidade própria, a arquitetura gera visibilidade, conquista mídia espontânea, “viraliza” e vende.

Nada contra o mundo do marketing, da publicidade e da assessoria imobiliária (pelo contrário, tudo a favor), mas a arquitetura, quando excepcional, única e inovadora, economiza na publicidade, marketing e corretagem. 

Arquitetura dá lucro. Pode acreditar.

Texto originalmente publicado na coluna Geleia Urbana do Jornal O Estado de Minas em 15/07/2024.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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