O termo seamless mobility (mobilidade sem barreiras) não se limita a um conjunto de soluções que buscam derrubar as barreiras físicas, temporais, espaciais, de governança e tarifárias da mobilidade, mas engloba também as barreiras associadas aos meios de pagamento, um aspecto importantíssimo que é sistematicamente deixado de lado no planejamento de transporte.
Imaginem a seguinte situação: à entrada do supermercado A há máquinas de venda de fichas. Para fazer compras ali, você tem que trocar o seu dinheiro por fichas amarelas. Os preços estão cotados em fichas amarelas (10 fichas, 15 fichas,…). No caixa, você paga a sua compra em fichas amarelas. À saída, sobram fichas no seu bolso, mas você não as pode revender ou trocá-las por dinheiro.
Dias depois, você decide ir ao supermercado B e descobre que as fichas amarelas não são aceitas! E o supermercado B tem, também, o seu próprio sistema de fichas, neste caso azuis! Que grande confusão!
Mas é exatamente isso que acontece no transporte público em todo o mundo, não há interoperabilidade.
Cada rede de transporte público tem o seu sistema de pagamento específico, com as máquinas de venda, os cartões (amarelos, azuis…), o zoneamento. Antes de passar a catraca e iniciar a sua viagem, o passageiro precisa:
1. Entender o zoneamento, o sistema tarifário e de bilhetagem automática;
2. Interagir com a máquina de venda com user interface (UI) lento e antiquado;
3. Escolher não só o melhor bilhete mas também o correto (correndo o risco de ser multado caso tenha escolhido o errado!);
4. Pagar e receber o bilhete de transporte (que se parece, tanto por dentro quanto por fora, com um cartão bancário).
E aqui entra a questão fulcral: a compra do bilhete de transporte pode ser feita com cartão bancário, ou seja, você vai inseri-lo na máquina e ela vai te devolver outro cartão, muito semelhante ao seu cartão bancário!
Não podemos eliminar esse processo e passarmos a catraca com o nosso próprio cartão bancário, sem precisarmos de ir à máquina de venda automática ou encarar a fila na bilheteria? Seria muito mais simples e direto!
A experiência de Londres
Há 10 anos, os cartões de débito e crédito passaram a ser aceitos nos transportes públicos de Londres. O passageiro aproxima o seu cartão bancário contactless ou mobile wallet ao leitor dentro do veículo ou na catraca e o sistema se encarrega do resto, otimizando as viagens para a melhor tarifa de acordo com o zoneamento. A taxa de adoção da solução foi elevada, hoje em dia aproximadamente 70% das viagens pay-as-you-go nos ônibus londrinos são iniciadas por esse método de pagamento.
No Brasil, alguns pilotos começam a ser testados, em São Paulo e Curitiba, por exemplo. Em Portugal, há um projeto interessante em Évora, com participação da startup Ubirider.
Open-loop e Closed-loop: Cooperação ou substituição?
O que eu escrevi diz respeito a dois tipos de sistemas de bilhetagem: o sistema closed-loop (tradicional) e open-loop (inovador, com cartão bancário ou smartphone). A solução open-loop apresenta vantagens ao passageiro (simplicidade) e ao operador de transporte (custos mais baixos e mais opções de pagamento). Já a solução closed-loop apresenta vantagens ao operador (segurança e controle). Há um debate sobre se essas soluções devem trabalhar ou não em conjunto.
Num primeiro momento, acredito que as duas devem cooperar, dando assim muitas opções de pagamento ao passageiro. A médio/longo prazo, o operador pode ter que decidir entre uma ou outra. Acima de tudo, a solução open-loop entrega a mobilidade sem barreiras e com maior interoperabilidade entre os vários sistemas de transporte. Por ser uma solução naturalmente digital, reduz os tempos em filas de espera, aumenta a eficiência na coleta de dados e proporciona melhor user experience (UX) ao passageiro.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.