Nota: Nesta coluna, escrevo somente sobre o veículo autônomo como meio de transporte privado individual/familiar, uma evolução do carro particular.
Quando uma tecnologia disruptiva entra num mercado mal regulado, ele pode causar mais custos que benefícios. Foi o caso recente das patinetes — circulando sobre as calçadas e estacionadas de forma selvagem — ou dos serviços de ride-hailing (Uber, 99, Cabify…) que obrigaram o poder público a “correr atrás” e legislar com pressa, a toque de caixa. O mesmo pode acontecer com os veículos autônomos que, um dia, irão fazer parte da nossa paisagem urbana.
Assim como os veículos normais (com motorista), os autônomos não são bons ou maus, mas o uso que vamos fazer deles pode ser desastroso. Esta tecnologia elimina a componente mais aborrecida da experiência de usar o carro: a obrigação tediosa de dirigir com atenção redobrada no meio urbano congestionado.
As pessoas vão se sentir mais confortáveis enquanto viajam (numa sala de estar sobre rodas) e o tempo de viagem passará a ser produtivo, incentivando assim o uso do carro e viagens mais longas, causando mais poluição. A longo prazo, teremos mais espalhamento urbano: As pessoas não apenas irão dirigir mais, mas também tenderão a viver em locais mais distantes, em casas maiores, um estilo de vida mais danoso para o planeta.
Mas será que vamos mesmo utilizar mais o nosso carro, se não tivermos que o dirigir? Sim, vamos. No âmbito de um estudo da Universidade da Califórnia, foram dadas a 13 pessoas o acesso a um motorista particular, disponível para qualquer viagem e a qualquer hora, durante uma semana. O objetivo do estudo era imitar a experiência do carro autônomo.
Durante aquela semana, os participantes percorreram 83% mais quilômetros do que na semana anterior. Embora a amostra do estudo seja pequena, podemos esperar um aumento no uso do carro particular. Mais ainda, se considerarmos, por exemplo, que qualquer pessoa, com ou sem carteira de motorista, vai poder ter um carro autônomo e que os zombie cars (carros vazios, já chegaram ao destino e retornam para a origem) serão permitidos, o uso do automóvel irá aumentar.
Mais dados = mais CO2
A quantidade de dados que um veículo autônomo, através de suas câmeras e sensores, irá coletar, processar, enviar para a cloud, etc. no dia-a-dia será colossal. Um estudo recente do MIT analisou a energia consumida pelos cérebros dos veículos autônomos em vários cenários de adoção de tecnologia.
De forma resumida, o estudo descobriu que, com uma aceitação global em massa de veículos autônomos, os poderosos computadores de bordo necessários para operá-los poderiam gerar tantas emissões de gases de efeito estufa quanto todos os data centers em operação hoje!
Soluções: pedágio urbano!
Como referi na nota inicial, não vou aqui falar de modelos de negócio. Olhando especificamente para o veículo autônomo como meio de transporte individual/familiar privado, a melhor forma de mitigar o seu uso em excesso é endereçar o problema onde ele é externalizado, na rua.
O pedágio urbano, ou a taxação do uso do sistema viário, será incontornável. Aqui, a tecnologia embarcada no veículo autônomo pode ajudar: considerando que o sistema viário é uma utilidade (como a água, luz, gás) faz todo o sentido ser cobrado pela quantidade consumida, nesse caso, os quilômetros percorridos. Essa informação seria enviada mensalmente ao gestor do sistema viário que, por sua vez, iria cobrar o usuário diretamente.
Para concluir, don’t get me wrong. Essa tecnologia poderá nos trazer grandes benefícios: aumento significativo da segurança viária e tempo de viagem mais produtivo serão alguns deles. A evolução tecnológica não deve ser parada, mas deve ser assimilada de forma gradual. Para isso, o poder público deve se antecipar e criar modelos de regulação sofisticados que minimizem os impactos negativos e maximizem os benefícios desses novos veículos para a sociedade.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.