Os postes de vigilância privada e as loterias

12 de novembro de 2024

Quem caminha pelas ruas de São Paulo já deve ter notado a proliferação de postes com câmeras de vigilância privada em frente a prédios e estabelecimentos comerciais.

Na minha rua, em particular, os condomínios são formados por uma única torre em lotes não tão grandes, com testadas relativamente pequenas, resultando em uma sequência de postes de vigilância praticamente enfileirados, que à noite geram um efeito até que curioso com suas luzes de LED verde ou azul.

Já ouvi críticas a respeito do impacto desses postes e suas luzes na paisagem urbana. O principal questionamento, porém, está relacionado à eficácia dessas câmeras na segurança. Afinal, elas reduzem a violência?

Não sei a resposta, parece que ainda não há evidências conclusivas, mas, no fundo, não importa. Ué, como assim? Por que, então, os condomínios estariam investindo nesses itens? Para explicar, vou recorrer ao exemplo das loterias.

Não precisa ser estatístico ou matemático para saber que a probabilidade de ganhar em loterias como a Mega-Sena é baixíssima, praticamente nula. Por que, então, as pessoas jogam? Podemos pensar em pelo menos dois motivos.

Tomemos como exemplo a Mega-Sena, na qual o bilhete simples com seis números custa apenas R$ 5. Ainda que a chance de ganhar seja de 1 em 50 milhões, para grande parte das pessoas R$ 5 parece um valor baixo a se pagar pelo direito de sonhar com o prêmio milionário. Nas palavras do matemático Florin Diacu, ao jogar na loteria, “as pessoas compram esperança”.

Outro motivo é que as pessoas podem se sentir coagidas a comprar o bilhete de loteria, particularmente no caso dos “bolões”. Já imaginou ser um daqueles pobres coitados que retornam ao trabalho em um escritório vazio porque os colegas tiraram a sorte grande na Mega da Virada? Talvez a cota de alguns reais no bolão não pareça um preço tão alto frente a esse risco.

Voltando à questão dos postes de vigilância, podemos dizer que o custo para cada morador de um condomínio é baixo quando comparado à “promessa” de que as câmeras reduzirão a violência. Segundo reportagem da BBC, a mensalidade desses postes não chega a mil reais, o que, em muitos casos, representaria um custo mensal inferior a R$ 5 para cada morador – menos, portanto, do que um bilhete da Mega-Sena.

Ainda que não reduzam efetivamente a violência, por um custo individual muito baixo esses postes podem ao menos aumentar a sensação de segurança, o que já é alguma coisa.

Quando os postes começam a se proliferar pelo bairro, condomínios podem se sentir coagidos a também adquirir o serviço. Já pensou ter o prédio assaltado por ser o único a não ter contratado um poste desses? O prejuízo seria muito maior do que os míseros R$ 5 por morador, não? (Por sinal, já tratei de problema de falta de coordenação semelhante em artigo do Caos Planejado, quando analisei os muros dos condomínios pela perspectiva da Teoria dos Jogos).

Assim, em meio ao medo da violência e à crescente sensação de insegurança nas grandes cidades, a eficácia de uma medida, seja ela um muro alto ou um poste de vigilância privada, no fundo não parece importar muito, especialmente se o custo individual da implantação for baixo.

No caso dos muros, porém, temos um problema coletivo relevante, dado seu impacto negativo na vitalidade das calçadas e na sensação de insegurança de quem caminha pelo entorno.

Já no caso dos postes de vigilância, não vejo impacto negativo significativo para a cidade, que talvez até se beneficie com o aumento da sensação de segurança e mais imagens para eventuais investigações. A não ser, é claro, que a disseminação dessas imagens sirva apenas para gerar ainda mais pavor ao alimentar uma percepção distorcida da realidade.

Seja como for, certo mesmo é somente o ganho dos empreendedores que inventaram e passaram a comercializar esses serviços para os inúmeros condomínios de São Paulo. Que sacada! Um negócio da China! Eles, sim, ganharam na loteria.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Economista pela FEA-USP, mestre em economia pela EESP-FGV e tem mais de 20 anos de experiência na área de pesquisas e estudos econômicos. Mora em São Paulo e caminhar pela cidade é um de seus hobbies favoritos ([email protected]).
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