O physarum polycephalum é um organismo unicelular típico de ambientes frios e úmidos, uma espécie de bolor, um fungo que se expande continuamente criando colônias de intrincadas ramificações. Uma rede de captação e distribuição de energia. O incentivo na expansão da rede são fontes de energia.
Uma rede de transporte sobre trilhos, metrô e trem de subúrbio, por outro lado, é pensada sob duas óticas: atender a uma demanda conhecida, conectando locais que já possuem densidade, ou estimular desenvolvimento para um local desejado, levando a rede a novos pontos ainda carentes de desenvolvimento.
Além das cidades chinesas, não é comum ver a segunda alternativa (construir antes para estimular demanda em locais específicos) sendo implementada. O mais comum é assistir a um atendimento tardio de demandas conhecidas e já estranguladas.
Cientistas japoneses, interessados em avaliar a rede de transporte existente em Tóquio e pensando em melhorias futuras (expansão, otimização), fizeram um experimento, simulando num mapa da região metropolitana de Tóquio. Nos pontos de demanda, colocaram flocos de aveia, e introduziram o physarum polycephalum.
Nas 10 primeiras horas, a colônia de fungos cresceu exponencialmente em direção aos flocos (os pontos de densidade e as cidades da região metropolitana) a partir do núcleo original. Nas 18 horas seguintes, os pesquisadores observaram uma reorganização e uma reconfiguração, com a criação de ramificações radiais conectando os ramais originais, em padrões cada vez mais interessantes, e caminhos mais eficientes na conexão de pontos de energia.
Ao final de 28 horas, o esquema geral se parecia bastante com a rede real, mas também indicava novos ramais, novos pontos, e aliviava gargalos com ramais secundários. Num primeiro momento, artérias ganhando território. Num segundo momento, canais menores interligando as artérias de forma radial, e eventualmente criando alternativas às artérias, distribuindo a carga e reduzindo a pressão sobre os troncos originais.
Os dois sistemas – a rede real e a colônia de fungos – só possuem semelhanças porque a rede japonesa é subterrânea, e não precisa estar vinculada ao desenho urbano de avenidas, quadras e outros que contrariam a lógica da rota mais otimizada e inteligente.
Usei “inteligente” aqui, mas não há, a rigor, qualquer inteligência. O que há é a perseguição bem sucedida ao estímulo criado (pontos com energia para a colônia de fungos, pontos de demanda e densidade populacional para a rede de transporte sobre trilhos).
O sucesso do sistema só vem porque não há intromissões que impedem ou dificultam o diagrama mais racional e funcional, tanto pelos caminhos de menor distância, quanto pela criação de uma rede radial que cria caminhos alternativos de desoneração dos troncos, uma espécie de balanceamento contínuo a partir de rotas alternativas, coisa que o sistema viário tradicional só pode tentar emular quando lança mão de viadutos e túneis em excesso.
Com uma “pequena” diferença: enquanto viadutos degradam e apodrecem os setores da cidade onde são implantados, uma rede subterrânea de metrô não causa qualquer degeneração para o tecido urbano (quando não o oposto, a regeneração, permitindo reduzir o volume de carros pelos moradores daquele setor).
Não há equivalência entre uma cidade que se movimenta por redes de metrô subterrâneas e outra pelo asfalto. A primeira aposta na cidade e na saúde e nas pessoas; a outra, nos veículos. O debate nem chega a ser um embate técnico sobre visões de desenvolvimento distintas. O caso, aqui, é meramente de cidades em graus civilizatórios diferentes.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.