Operações Urbanas: engessamento ou renovação? Onde está a visão de longo prazo?

11 de agosto de 2023

Para iniciar esta reflexão cabem as seguintes perguntas: qual a vida útil de uma operação urbana? Por que absolutamente nenhuma das leis de operações urbanas consorciadas nasceu contendo em si os regramentos pertinentes ao seu encerramento? Como administrar o processo de transição engessado pelas regras inexistentes de encerramento das operações urbanas e o dinamismo das cidades?

Bom… o intuito desta complexa reflexão origina-se da percepção de um sintoma e, portanto, da elaboração de uma hipótese.

SINTOMA: Recursos em caixa… Programas de Intervenções realizados… Permanência da dúvida sobre o efetivo término de um planejamento com início, meio e sem fim!

HIPÓTESE: nossos processos de planejamento urbano, idealmente focados na inauguração de algo novo, historicamente concentraram-se no frescor da inovação, não instrumentalizando os mecanismos de planejamento de médio e longo prazo a diagnosticarem os sintomas relativos ao desenvolvimento contínuo da cidade e, portanto, terem a condição de corrigirem, adequarem, calibrarem e até encerrarem os rumos eventualmente necessários.

Voltando então ao sintoma, inúmeras operações urbanas aprovadas na cidade de São Paulo com objetivos claramente delineados com relação à execução de seus programas de intervenções, determinados para regiões específicas da cidade, não tiveram, no entanto, em nenhuma delas a previsão de sua conclusão seja por conquista da totalidade ou maioria de seus objetivos, seja pela “desatualidade” (perdão pela licença poética adotada!) de certos objetivos pertinentes à época de sua criação e eventualmente não mais suficientes ou condizentes com a realidade… Por que não?

Pois é… assim vem se estruturando a mentalidade que traduz nossa cultura de planejamento urbano…

Vamos, lá:

Em 1991, ou seja, há mais de 30 anos, foi aprovada a Lei 11.090 da operação urbana Anhangabaú, que estabeleceu programa de melhorias para a área de influência imediata do Vale do Anhangabaú, criando incentivos e formas para sua implantação. Curiosamente, esta foi a única das legislações que se enquadram na família das operações urbanas aprovadas para cidade de São Paulo, que previu seu término.

Em seu artigo 15.º, estabeleceu que as disposições desta lei vigorariam pelo prazo de três anos, contados da data de sua publicação. Esta lei, bastante curta e objetiva, estabeleceu quatro mecanismos. O primeiro deles permitia exceções à legislação de uso e ocupação do solo em vigor, no perímetro da operação, nos moldes das Operações Interligadas, com contrapartida financeira a ser depositada em conta vinculada à Operação Anhangabaú administrada pela EMURB (Empresa Municipal de Urbanização).

Um segundo mecanismo permitiu a regularização de construções, reformas e ampliações executadas em desacordo com a legislação, mediante pagamento de contrapartida financeira. O terceiro foi a transferência de potencial construtivo dos imóveis de valor histórico e arquitetônico para outros terrenos, adotando-se um coeficiente de aproveitamento igual a seis vezes a área do terreno do imóvel preservado. E, o quarto mecanismo permitiu a cessão onerosa do espaço aéreo e subterrâneo, com o objetivo de aumentar e organizar o espaço para a circulação de pedestres. 

Após a criação desta “mini operação” no Anhangabaú, veio a Operação Urbana Faria Lima, aprovada pela Lei 11.732, em 1995, reconfigurada em 2004 no formato de Operação Urbana Consorciada, revogando a lei anterior e adequando seus mecanismos ao Estatuto da Cidade, lei federal que definiu em 2001 as Operações Urbanas Consorciadas como um instrumento de política urbana gerido de forma consorciada entre o Poder Público e a Sociedade Civil, por meio de um Grupo de Gestão, contando com a participação de órgãos municipais e entidades representativas da sociedade civil organizada, responsável pela definição e implantação do Programa de Intervenções, bem como a definição da aplicação de seus recursos.

No mesmo ano de 1995, também foi criada a Operação Urbana Água Branca, pela Lei 11.774, posteriormente revisada pelas leis 15.893/2013 e 17.561/2021.

Já em 1997, foi a vez da Operação Urbana Centro criada pela Lei 12.349 que, em 2022, foi revogada pela Lei 17.844/2022, que institui a Área de Intervenção Urbana do Setor Central.

Em 2001, aprovou-se a Operação Água Espraiada, Lei 13.260, já em formato de operação urbana consorciada, parcialmente alterada pelas leis 15.416/2011 e 16.975/2018.

Excetuada a operação Anhangabaú, que nasceu prevendo seu término, temos 4 operações urbanas em distintas regiões da cidade, além de tantas outras, que ficaram no forno, e ainda Planos de Intervenção Urbanas (os antigos Projetos de Intervenção Urbana (PIUs)) em andamento, implantação ou já suspensos, que não consideraram em seus instrumentos jurídico-urbanísticos o seu encerramento. E, finalmente, o encerramento da primeira operação urbana consorciada, Faria Lima, quase 30 anos depois, em tramitação!

O que se coloca enfim para nossa reflexão é: para além das conquistas urbanísticas advindas das leis de operações urbanas, não deveríamos olhar com atenção para este viciado modus operandi em que se vem planejando cidades, especialmente através da concepção destas legislações, sem a devida clareza do que, essencialmente, se pretende alcançar dentro de condições mais realistas a respeito do controle que o planejamento urbano é de fato capaz de exercer, associado ao fato de que o dinamismo das transformações urbanas grita por ações mais flexíveis e sensíveis às suas urgências? 

Esta provocação é só a superfície de uma necessária e profunda avaliação, deixando para a sequência desta discussão, em nosso próximo encontro, o lugar do desenho urbano dentro de tudo isto… E então, o que acham?

Saudações Polifônicas…

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e urbanista pela FAUUSP, mestre pela FFLCH (Filosofia, Letras e Ciencias Humanas), membro do Conselho Municipal de Politica Urbana (CMPU) e do Conselho de Proteção da Paisagem Urbana (CPPU). Prêmio Top Imobiliário Estadão — Luis A. Pompeia — Pensador de Cidades — 2023–2025.
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