Algum tempo atrás escrevi aqui no Caos Planejado que pouco importa a altura das edificações. O argumento não era sobre metros de altura, e sim sobre foco. A discussão pública vive obcecada pelo quão alto será o edifício, como se a cidade fosse experimentada somente a partir do horizonte. Mas o cotidiano, de fato, acontece no chão. O encontro entre o pedestre e o edifício é o verdadeiro ponto de partida da vida urbana.
Esse encontro é o que podemos chamar de “sentido de chegada”. É a maneira como o edifício se apresenta a quem se aproxima, no ritmo da rua, na escala, na clareza do acesso, no modo como a construção sinaliza que pertence àquele lugar. Antes de qualquer decisão formal, o projeto precisa responder a uma pergunta simples e direta: como é a experiência de chegar até ele?
Essa chegada só faz sentido porque está ancorada em algo mais profundo, o “senso de lugar”. Cada rua é um acúmulo de percepções construídas ao longo de anos, na largura da calçada, na luz entre os edifícios, no alinhamento das fachadas e no jeito como a esquina se abre ou se fecha. Caminhamos por determinadas vias repetidas vezes e, sem perceber, nos acostumamos com uma certa paisagem. É isso que dá estabilidade à vida urbana.
Quando uma nova edificação entra em cena, ela rearruma essa experiência. Pode reforçar a familiaridade do percurso ou romper abruptamente com ela. É aí que o sentido de chegada se torna decisivo. Ele não é adorno e não é gentileza. É o mecanismo que permite que um novo edifício se conecte à memória espacial que já existe, evitando que sua presença pareça gratuita ou deslocada.
Em edifícios altos, essa percepção fica mais evidente pelo potencial de alterar a escala da paisagem. Mas, ao contrário do que se imagina, a altura não define o impacto urbano. O que realmente orienta a experiência é o modo como a base se encaixa no tecido da rua. Uma edificação pode conviver bem com seu entorno quando o térreo reconhece o contexto, preserva ritmos, mantém aberturas, cria continuidade. Quando isso não acontece, a percepção da altura tende a se agravar.
E essa lógica vale para qualquer edifício, independente de tamanho. O sentido de chegada é o primeiro gesto urbano de um projeto. Ele define se a rua continua inteligível ou se vira uma sequência de rupturas.
Essa temática ganha força quando lembramos da “quadra incompleta”, tratada na coluna anterior. A fragmentação fundiária, os vazios, as fachadas interrompidas fazem parte da nossa paisagem cotidiana. Nesse cenário, cada novo edifício tem a chance de recompor algo do percurso urbano. Um bom sentido de chegada não resolve a cidade inteira, mas ajuda a estabilizar trechos, costurar diferenças e evitar que mais um pedaço da rua se torne irreconhecível.
No fim das contas, não se trata de dramatizar a chegada nem de glorificar o térreo. Trata-se de reconhecer que a cidade é feita de sequências que fazem sentido para quem passa. E que qualquer edifício – alto ou baixo – precisa saber entrar nessa sequência. O sentido de chegada é a maneira como um edifício se incorpora ao percurso da cidade sem desfazer a lógica que já existe.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.