O mês de dezembro é um mês peculiar. Por um lado, junto com o cansaço de um ano de atividades mil, desaba sobre ele a angústia dos assuntos inacabados, das pontas soltas, das “janelas abertas” que ainda não conseguimos cerrar. Tudo aquilo que, de uma forma ou de outra, gostaríamos de bem resolver no limite da virada da folhinha. Por outro, um calendário social que se anima com as confraternizações de grupos de trabalho, de amigos, de familiares, eventos que nos recordam da importância dos vínculos que estabelecemos com as pessoas.
Ambos nos levam a refletir, em uma mistura de melancolia, alegria e esperança, sobre as resoluções tomadas para o ciclo que se encerra e aquelas que animarão o que irá se iniciar.
Neste estado de espírito, ficou recorrente em meu pensamento a seguinte questão: se as nossas cidades fizessem “resoluções de ano novo”, o que será que almejariam? Pelo que ansiariam? O que as fariam florescer? E, ponderando possíveis “respostas”, me recordei de algumas conversas com o Jaime e de um especial capítulo do seu livro Acupuntura Urbana, no qual ele aborda o tema da gentileza.
Gentileza, como colocam diferentes dicionários, é o substantivo que define a qualidade do que é gentil, um ato de delicadeza, uma ação de grande distinção. É mais do que uma atitude educada, polida, pois carrega em si o atributo da generosidade.
A sabedoria popular coloca que “o favor é feito com o cérebro e a gentileza com o coração.” No contraponto, a citação frequentemente atribuída a Mahatma Gandhi, diz: “olho por olho, e o mundo acabará cego”.
Diversos estudos demonstram que a prática da gentileza irriga nosso sistema nervoso central com o trio hormonal do bem-estar (endorfina, serotonina e dopamina) ao mesmo tempo em que reduz os níveis de cortisol (o hormônio do stress) e a pressão arterial.
Assim, imagino que, para o novo ano, nossas cidades, se pudessem, resolveriam por mais, muito mais gentileza. Uma gentileza urbana que se expresse de maneira singela ou grandiosa, capitaneada pelos mais diferentes atores, nas mais diversas formas, em múltiplas escalas.
Um violino tocado em uma varanda, como o que emocionou vizinhos em tempos de pandemia. Um ponto de comércio que ilumina uma esquina no cenário noturno. A reforma de uma rua que abre mais espaço para pedestres, ciclistas e flores. Um sistema de transporte público ágil, pontual e confortável. A recuperação de um imóvel histórico para o usufruto da população. A transformação de uma orla em um parque. De uma pedreira em sala de concertos. De praças em eventos gastronômicos e da cidade em um palco para atividades culturais. Ônibus decorados com luzinhas de Natal. Um músico que se apresenta em uma entrada de metrô. O resgate social em uma noite fria. Um banco à sombra de uma árvore frondosa em um dia quente. Enfim, grandes e pequenos gestos que aproximam as pessoas das cidades, as cidades das pessoas, as pessoas das pessoas. Gentilezas que, quiçá, gerem mais gentilezas, contribuindo para um ambiente urbano mais saudável.
Recentemente, o Instituto participou de um evento que premiou iniciativas promovidas por professores de escolas públicas em prol de um trânsito mais seguro, parte de um programa anual de uma fundação privada que incentiva esse engajamento comunitário em centenas de municípios brasileiros. Poderia se dizer que é um programa de geração e multiplicação de gentileza urbana que, por exemplo, lembrando da “simples” importância de uma faixa de pedestres em frente a uma escola, coloca em evidência a necessidade de um desenho urbano respeitoso à vida.
Nos últimos 50 anos, Curitiba passou de cerca de 5m2 de área verde por habitante para mais de 50m2, em que se pese que nesse período a população mais que triplicou de tamanho. Milhares e milhares de árvores gentilmente contribuem para o conforto ambiental da metrópole, para a macrodrenagem, e para corredores da vida silvestre. Tal resultado é fruto de um conjunto robusto de políticas públicas, boas práticas e incentivos, mas há uma singelamente ambiciosa iniciativa inaugurada em meados da década de 1970 que influenciou esta transformação cultural-ambiental.
Conforme o Jaime narra no Acupuntura, “Curitiba plantou um milhão de árvores em menos de duas décadas. O começo foi um gesto de verdadeira gentileza urbana. Para garantir a irrigação de todas estas pequenas árvores plantadas nas ruas, foi solicitado o apoio da população. O governo municipal lançou uma campanha que dizia: “A Prefeitura dá a sombra e você, a água fresca”.”
No livro Dicionário da Alma, Chico Xavier coloca que “A gentileza é filha dileta da renúncia e guarda consigo o dom de tudo transformar em favor do infinito bem.” São os votos do Instituto Jaime Lerner que, em 2024, possamos caminhar, a passos largos, em sendas borbulhantes de gentilezas urbanas, realizando o sonho das nossas cidades! Feliz Ano Novo!
por Ariadne dos Santos Daher
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.