Pesquisa revela como proximidade entre as pessoas e as necessidades diárias ainda é uma realidade distante no Brasil.
Na paisagem complexa das cidades brasileiras, as distâncias e a segregação socioespacial se impõem como barreiras que limitam o acesso a necessidades básicas, comprometem a qualidade de vida e ampliam desigualdades. Educação, saúde, trabalho, transporte público e outras necessidades diárias, para grande parcela da população urbana, estão a longas distâncias das suas residências. No entanto, uma aposta pode mudar radicalmente essa realidade: a “cidade de 15 minutos”.
O conceito, popularizado pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que adotou-o como premissa do seu plano de governo, e desenvolvido pelo urbanista colombiano Carlos Moreno, tem um princípio fundamental simples: criar bairros onde a maioria das necessidades diárias possa ser atendida em um raio de 15 minutos a pé, de bicicleta ou através do uso de transporte público sustentável.
Essa abordagem visa não apenas a redução da dependência de automóveis, mas também diminuir o tempo gasto em deslocamentos, tudo com o objetivo de proporcionar uma melhora substancial na qualidade de vida. Afinal, como ressalta Carlos Moreno, “as cidades devem se adaptar às necessidades das pessoas, e não o contrário”.
A situação atual no Brasil não poderia ser mais destoante desse objetivo. A pesquisa “Cidades de 15 minutos — caminhar nas cidades brasileiras”, realizada pelo Instituto Caminhabilidade em parceria com a plataforma MindMiners, apresentou números que nos ajudam a compreender a longa caminhada que precisamos percorrer.
Embora a pesquisa tenha sido realizada em todas as regiões do país, infelizmente não houve representatividade das classes DE, que são mais de 50% da população, e onde acreditamos que as políticas públicas de proximidade e garantia de direitos deveriam começar. Mas, de toda forma, os dados nos ajudam a revelar a situação e alertar para o desenvolvimento de pesquisas territorializadas.
No plano de Paris, por exemplo, as escolas são consideradas o coração da indução de proximidade, pois são um equipamento público bastante capilarizado pelos bairros da cidade. Por isso, tanto seu entorno como seus pátios assumem outras funções, para poder melhorar o acesso a diversos serviços.
No Brasil, porém, apenas uma pequena parcela — 13,3% das respondentes —, tem uma instituição educacional a 15 minutos de caminhada de suas casas.
Quanto aos serviços médicos e de saúde, a proximidade também é muito baixa, com apenas 19,8% tendo acesso a eles em até 15 minutos a pé.
A disparidade é ainda mais flagrante quando se trata de espaços culturais e públicos. Apenas 9,8% têm o privilégio de possuir esses locais a 15 minutos de caminhada. As desigualdades são acentuadas em pessoas das classes C, que têm acesso limitado a espaços culturais e de lazer, resultando em uma discrepância enorme em relação às classes A e B.
Padarias lideram a lista de proximidade, seguidas por mercados e feiras e farmácias, enquanto parques e praças, cruciais para a saúde física e mental, estão próximos de apenas 30% das respondentes.
O que ficou mais evidente é como consumir é muito mais fácil do que ter acesso a direitos, serviços públicos, lazer e equipamentos sociais. Além da pesquisa, corrobora essa ideia os vídeos do #desafio15minutosape, proposto pelo Instituto Caminhabilidade durante a Semana do Caminhar 2023.
O desafio consistiu em pessoas de diversas cidades do Brasil gravarem vídeos mostrando caminhadas de 15 minutos no entorno de suas residências. Foi possível notar a predominância de lojas, bares, restaurantes e a escassez de espaços culturais, naturais — como parques e praças — e instituições de ensino e saúde.
O que ficou mais evidente é como consumir é muito mais fácil do que ter acesso a direitos, serviços públicos, lazer e equipamentos sociais. Além da pesquisa, corrobora essa ideia os vídeos do #desafio15minutosape, proposto pelo Instituto Caminhabilidade durante a Semana do Caminhar 2023.
O desafio consistiu em pessoas de diversas cidades do Brasil gravarem vídeos mostrando caminhadas de 15 minutos no entorno de suas residências. Foi possível notar a predominância de lojas, bares, restaurantes e a escassez de espaços culturais, naturais — como parques e praças — e instituições de ensino e saúde. (Assista alguns dos vídeos: TransLab.Urb — Centro Histórico de Porto Alegre (RS), Instituto Caminhabilidade — Bairro Santa Cecília no Centro de São Paulo (SP), Brasília para Pessoas — Asa Sul em Brasília (DF), SonhandoAPé — Bairro Serra em Belo Horizonte (MG))
Além dessas conclusões, também foi possível notar que o desejo de atividades e serviços da população é um reflexo do anseio por uma vida mais prática e equilibrada. Trabalho, saúde, espaços culturais, parques e educação surgem como prioridades, todos alinhados com a ideia de uma cidade de 15 minutos.
Já no aspecto regional, as variações, que demonstram menor proximidade na região Norte do país e maior proximidade, na maioria das vezes, no Sul e Sudeste, são um testemunho das desigualdades e dos desafios locais.
Vale a pena ressaltar que já temos algumas políticas públicas que ajudam a criar proximidade, como os CEUs em São Paulo, que são centros educacionais. culturais e de esporte nas periferias; os Mercados Públicos no Recife, que funcionam como espaços para alimentação, compra de comida, cultura e lazer, feitos com fruição e acesso a pé; e os equipamentos sociais e culturais Usina da Paz, em Belém, além das Ruas Abertas e das Feiras Livres em todo o país.
A discussão sobre diminuir disparidades não pode ser adiada. A falta de acesso e as distâncias nas cidades têm implicações profundas, com repercussões sociais, econômicas e ambientais severas. Populações vulnerabilizadas, como mulheres periféricas, enfrentam desafios ainda maiores devido a essa realidade injusta.
É fundamental que as cidades se comprometam a adotar a visão da cidade de 15 minutos, garantindo que todos os bairros e territórios tenham acesso equitativo a opções de lazer ao ar livre e uma cultura vibrante. Ao alinhar nossos esforços com essa visão, podemos moldar um futuro em que as cidades sejam verdadeiramente projetadas para as pessoas, resultando em um bem-estar coletivo e uma melhor qualidade de vida.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.