Quando pensamos o que cabe em 4 m² nos vem em mente a lavanderia, o gabinete ou o banheiro da suíte master de um apartamento. Imaginamos o depósito, o lixo ou a guarita de segurança de um edifício.
Em Cordoba, na Argentina, uma cafeteria nos mostra que não é só isso. Aliás, nos ensina o que fazer em um vazio urbano de 4 m².
O Caffe del Popolo, localizado na esquina das Avenida Hipólito Yrigoyen e Rua Buenos Aires, está em um pequeno espaço remanescente da construção de dois edifícios em altura de 13 pavimentos.
Com as empenas laterais das edificações chegando até o solo, se formou, ali, um vazio triangular de 4 m² frente a calçada em uma das zonas mais movimentadas da cidade argentina.
Em um primeiro momento se imaginaria que esse espaço ficaria sem uso ou, na melhor das hipóteses, serviria para um jardim e, até mesmo, uma pequena gentileza urbana com bancos para os moradores tomarem seu “mate” vendo o movimento na rua. Mas não, o pequeno espaço instigou e ganhou a melhor ativação quando se trata de vida urbana: o comércio.
Ali, nesse pequeno vazio, se instalou uma loja de cafés. Claro, não é uma cafeteria padrão em que o usuário vai entrar e sentar dentro do estabelecimento. É melhor que isso. O usuário senta em bancos da própria calçada para tomar seu café e comer sua “medialuna”. Melhor ativação urbana do que essa? Difícil.
E como funciona uma cafeteria em um espaço de 4 m²? Bem, o estabelecimento não possui somente 4 m² e, sim, 12 m² pois ele se utiliza da altura para suprir as necessidades de funcionamento.
O Caffe del Popolo está em uma pequena edificação de 3 pavimentos incrustada entre as empenas das edificações. Cada pavimento é destinado a uma função. O térreo é o local do atendimento, de preparação do café e de comidas, em outras palavras, a loja. No segundo andar, está o banheiro para os funcionários. Já no 3.º e último pavimento, está o depósito da loja. Todos eles interligados por uma escada de marinheiro. Incrível, não?
No entanto, meu objetivo nesta coluna não é só mostrar essa ideia de ativação urbana. É, também, argumentar que tal atividade só foi possível por causa da altura! Foi a partir dela que foi possível acomodar a demanda necessária para o uso.
É nessa ideia em que está o princípio da altura das edificações. Que em um pequeno terreno se possa alocar a demanda necessária do local. Seja para moradias, escritórios, escolas, espaços culturais e até para uma cafeteria, por que não?
Nos primórdios dos arranha-céus, depois do avanço dos métodos construtivos e da invenção do elevador, construtores, empresários e arquitetos viram ser possível atender demandas de usos em terrenos bastante valorizados nas cidades. Seja em ruas de comércio, frente a praças ou, até, na busca por visuais, graças aos diversos pavimentos possíveis dessas edificações.
Recuos de jardim, afastamentos laterais do lote, limites construtivos, a altura como forma de isolar o edifício no lote surgiram anos depois. Tema que merece uma coluna específica para tratar.
Mas o intuito é demonstrar que em um minúsculo terreno e uma pequena edificação é possível exemplificar o princípio dos edifícios altos.
E por falar em recuos, afastamentos e limites construtivos, nas tão criticadas legislações urbanísticas brasileiras, é possível construir o Caffe del Popolo? Não sei em todas, mas em Porto Alegre, pela legislação é quase possível, sim.
Na capital gaúcha, edifícios 9m de altura são permitidos nas divisas. Então, basta existir um terreno de 4 m² em uma das poucas zonas da cidade em que não é obrigatório possuir o recuo de jardim.
E mais: será necessário comprar outorga onerosa para que se chegue no índice construtivo de 3, pois o potencial construtivo médio da cidade é de 1,6. Aliás, 3 é o índice máximo permitido com compra outorga.
A diferença seria na área total ou na área por pavimento dessa edificação. Em Porto Alegre teria 10,8 m² totais ou 3,6 m² por pavimento, pois há a taxa de ocupação a ser obedecida e alguns poucos locais podem ser de 90%, normalmente são 75%. Diferente de Córdoba, em que foi utilizado 100% do espaço.
Para finalizar, termino com a seguinte provocação: alguém disposto a reproduzir o Caffe del Popolo nos vazios urbanos de nossas cidades?
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.