O que descobrimos ao simular transporte sob demanda na periferia de São Paulo

22 de outubro de 2025

Em estudo preliminar, ao simular a integração de um serviço de transporte sob demanda com a rede de ônibus e trilhos no entorno da nova estação Varginha, na zona Sul de São Paulo, vimos que é possível reduzir a espera e a caminhada de quem já usa transporte público e, de quebra, ampliar o acesso ao trem sem competir com o sistema fixo de ônibus, isto é, com horários predeterminados.

Usamos modelos baseados em agentes (MATSim/Eqasim), que preservam a roteirização completa da cidade. Em termos simples, o software simula como pessoas reais escolhem suas rotas e modos de transporte a partir das opções oferecidas. Testamos cenários com diferentes frotas (50, 100 e 200 veículos), regras de espera e desvio, restrições espaciais para evitar sobreposição com linhas de ônibus e, em alguns casos, a possibilidade de trechos cobrindo regiões onde não existem paradas de ônibus próximas.

Os resultados iniciais indicam que, entre os passageiros que já utilizavam trem e ônibus e passaram a acessar a rede pelo sistema sob demanda, há redução de cerca de 50% no tempo de espera e de 30% na caminhada. O trecho principal da viagem, dentro dos veículos de maior capacidade, permaneceu parecido. Em resumo: o ganho está onde a experiência costuma ser mais penosa, nas chamadas primeira e última milhas.

Também ficou claro para nós que não se trata de criar um “sistema paralelo”. Mesmo com a frota máxima testada, de 200 veículos, o transporte sob demanda (carro por aplicativo ou táxi, por exemplo) atendeu a menos de 4% das viagens diárias do universo simulado. Isso é coerente com o desenho conservador que adotamos: o serviço funciona como alimentador, não como competidor da rede. E quando isso acontece, há um bônus: parte dos usuários vem do carro e dos aplicativos de táxi, o que reduz os quilômetros rodados totais em cerca de 6%.

O custo é outro ponto que acompanhamos de perto. Na configuração mais eficiente, o serviço chegou a 27,5 mil corridas aceitas por dia a um custo operacional de aproximadamente R$ 21 por passageiro. Num cenário hipotético com veículos autônomos, esse valor poderia cair para algo em torno de R$ 13. Já a operação de 200 veículos, como estimamos, custaria de R$ 12 milhões a R$14 milhões por mês. Percebemos ainda que há espaço para escalonar a frota por janelas horárias, reduzindo ociosidade fora dos picos sem comprometer o atendimento.

Outro aprendizado foi sobre confiabilidade. Ela se desdobra em duas dimensões: a disponibilidade (se a corrida é aceita ou não) e a qualidade temporal (quanto se espera e quão variável é essa espera). Ajustar os parâmetros mexe nesse equilíbrio, especialmente quando a frota é constante. A produtividade operacional — ocupação, reposicionamento inteligente e redução da ociosidade — parece ser o grande determinante do custo por passageiro.

A possibilidade do transporte sob demanda é importante porque periferias densas concentram viagens longas e trajetos de acesso desgastantes, em áreas com calçadas ruins e frequências baixas do transporte coletivo fora do pico. Se conseguimos transformar parte da caminhada e da espera em tempo dentro de um veículo alimentador que respeite a rede fixa, damos mais previsibilidade e conforto a quem já depende do transporte público. E, de quebra, também levamos mais gente ao trem.

Claro, são resultados preliminares em ambiente de simulação. A transição para a prática exigiria pilotos bem monitorados, regulação firme para evitar que o serviço “vaze” para corredores bem atendidos, governança tarifária para manter a integração e contratos que valorizem confiabilidade e produtividade. Mas acreditamos que há, sim, espaço para usar o transporte sob demanda como ferramenta cirúrgica para resolver gargalos de acesso em áreas frágeis da rede.

Pode não ser a revolução prometida por alguns discursos, mas acreditamos que é um caminho pragmático e possível. E, no transporte público, esse costuma ser o tipo de revolução que funciona.

Mayurí Annerose Morais é pesquisadora do FGV Cidades, atuando em mobilidade urbana e políticas públicas de transporte. É graduada em Ciência e Tecnologia e em Ciências da Computação pela UFABC, onde também fez mestrado em Neurociências e Cognição e doutorado em Ciência da Computação.

Raphael Yokoingawa de Camargo é pesquisador principal do FGV Cidades, com foco em modelagem de transporte, integração modal e cidades inteligentes. É professor associado do Centro de Matemática, Computação e Cognição da UFABC. É bacharel em Ciências Moleculares e mestre em Física pela USP, e doutor em Ciência da Computação pelo IME-USP.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Fundado em 2023, o FGV Cidades: Centro de Inovação em Políticas Públicas Urbanas conta com uma equipe interdisciplinar de pesquisadores nas áreas de políticas públicas, economia, direito, arquitetura, engenharia e ciência de dados. Sua missão é reduzir as desigualdades de oportunidades espaciais por meio de pesquisas científicas bem como assessorando e capacitando diretamente os entes subnacionais brasileiros para avançarem em tecnologia, regulação e políticas públicas, contribuindo para a construção de cidades mais inclusivas, sustentáveis e prósperas.
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