Um tema ligado ao urbanismo que tem ganhado destaque na mídia em São Paulo é o das fachadas ativas, que merece ser analisado com maior atenção nesta coluna. As fachadas ativas, também previstas no Plano Diretor, correspondem aos espaços no térreo dos edifícios voltados ao passeio público e destinados a usos não residenciais, como comércio, com acesso direto e aberto à população. Essa estratégia busca tornar a cidade mais viva e segura, promovendo maior circulação de pessoas e estimulando a vitalidade urbana, em oposição ao uso de muros ou grades.
Entretanto, o principal problema enfrentado por esse instrumento em São Paulo é a alta taxa de vacância dos espaços comerciais, resultado de sua proliferação decorrente de um menor custo para os incorporadores. Um levantamento realizado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) indicou que entre 60% e 80% das fachadas ativas em edifícios da capital permanecem desocupadas.
O problema, portanto, pode estar associado à falta de bons projetos de arquitetura. Quem trouxe essa reflexão foi a arquiteta e urbanista Grazzieli Gomes Rocha, sócia do escritório Aflalo & Gasperini. Ela destaca que a elevada vacância das lojas decorre, sobretudo, da má qualidade dos projetos. De fato, ao caminhar pela cidade, é possível observar inúmeros espaços vazios. Em contrapartida, um de seus projetos — o W Hotel São Paulo — demonstra a boa aplicação da fachada ativa e da fruição pública, ao conectar duas ruas e criar um fluxo constante de pessoas.
No Rio de Janeiro, também está prevista no Plano Diretor a construção de fachadas ativas em algumas zonas, gerando incentivos no coeficiente de adensamento. Diferente de São Paulo, que assistiu uma expansão acelerada desse tipo de solução devido ao baixo custo, no Rio ainda não se observa esse fenômeno. Os projetos continuam concentrados em áreas com tradição comercial. Contudo, é possível que esse instrumento passe a ser utilizado como artifício para ganhos por parte das construtoras.
Na década de 1990, uma estratégia semelhante foi amplamente utilizada no Rio de Janeiro. Em determinados bairros, ao se projetar lojas, permitia-se a construção de um pavimento adicional denominado jirau. Esse espaço era utilizado tanto pelas lojas quanto como área de estacionamento, solução que evitava a construção de subsolo (opção mais onerosa). Assim, diversos projetos passaram a incorporar lojas de dimensões reduzidas apenas para viabilizar o pavimento garagem elevado, o qual frequentemente acabava sendo integrado à portaria, uma vez que tais lojas não apresentavam apelo comercial para a rua.
Diante desse cenário, torna-se evidente que a simples imposição normativa das fachadas ativas não garante vitalidade urbana por si só. A efetividade desse instrumento depende de projetos elaborados com um olhar atento à escala da quadra, considerando fluxos reais de pedestres, vocações locais, continuidade espacial e integração entre usos. É no desenho qualificado do térreo — inserido em uma lógica mais ampla de articulação entre edifícios, vias e espaços públicos — que a fachada ativa pode cumprir seu papel transformador. Pensar na quadra como unidade de projeto, e não apenas no limite do lote, é condição essencial para que esses espaços deixem de ser meras exigências legais e se convertam, de fato, em elementos capazes de promover urbanidade e vida cotidiana nas cidades.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.