O poder da esquivança e outras condições

17 de janeiro de 2025

Um bom desenho urbano pode contribuir lindamente para a nossa sensação de segurança

Quando perguntamos para as pessoas o que elas acham que falta num espaço público específico, a primeira coisa que costumam dizer é “segurança”.

Infelizmente, é comum as pessoas se sentirem inseguras e experimentarem medo ao percorrer nossas cidades, e é sobretudo pelo medo da violência, aquele que envolve outras pessoas em contato direto conosco, que se reivindica segurança.

Há um vasto campo de conhecimento sobre isso. Para contribuir com o debate, eu diria que, para nos sentirmos seguros andando pela cidade, precisamos ter contempladas quatro condições.

Primeira: não estar em evidência. Quando você está andando sozinho numa rua, você aparece. Na rua, a gente não quer aparecer, a gente quer ser mais uma pessoa na multidão, para não atrair nenhum olhar, nenhuma atenção específica para nós. A gente se sente mais segura no meio dos outros que sozinha. Para isso, é fundamental que os espaços públicos da cidade sejam vivos, tenham gente variada circulando e permanecendo. Em outras palavras, precisam ter copresença.

Segunda: ver e ser visto, a partir dos prédios que delimitam os lugares. É preciso ter os “olhos da rua” de Jane Jacobs, que permitem a cociência. A gente não quer passar ao longo de paredes cegas, sem nenhuma abertura, que impedem a troca visual dentro/fora. A gente se sente muito mais segura se, ao longo do nosso trajeto, vê portas, janelas, luzes vindas das casas, dos escritórios, das lojas, e gente dentro desses lugares todos. A gente fica mais tranquila ao saber que, de dentro desses locais, as pessoas também nos podem ver. Afinal, as pessoas só podem acudir às janelas ao nos ouvir pedir ajuda se houver janelas!

Terceira: dominar visualmente o espaço. Se estivermos parados, a gente precisa ter a maior visibilidade possível do lugar em que estamos. Se nos pomos em movimento, a gente quer que essa visibilidade nos acompanhe em todo o trajeto. A gente não quer ser surpreendida, não quer ficar desconfiada do que possa ter no meio do arbusto, de quem possa estar atrás do pilar do viaduto, ou do que vamos encontrar depois de virar a esquina da passagem subterrânea. É fundamental que não haja barreiras de nenhum tipo, assim como é fundamental que o lugar esteja muito bem iluminado.

Quarta: ter o poder da esquivança. A gente quer poder ir embora de um lugar da forma mais rápida possível, chamando pouca atenção para esse fato, evitando constrangimentos ou mal-entendidos. A gente quer poder mudar de rota sempre que quiser ou se sentir ameaçada ou insegura. A gente não quer se sentir encurralada ou limitada pela cidade, sem alternativas de trajeto. Locais que nos tiram do nível do solo dificultam nossa esquivança. Quadras enormes, que nos roubam as esquinas pelas quais poderíamos escapar, também. O poder da esquivança é aquele que eu posso exercer sempre que eu achar que algo de ruim pode acontecer comigo, sempre que me acender um alerta ao ver alguém vindo em minha direção, ao vislumbrar um lugar estranho pelo qual talvez tenha que passar. Ter efetivamente o poder da esquivança pode significar nem precisar exercê-lo. O fato de saber que eu posso sair muito facilmente de onde estou a hora que quiser, para me proteger ou me preservar, me ajuda a ficar muito mais tranquila num espaço público.

Para além de monitoramento por câmeras, iluminação e policiamento ostensivo, soluções mais citadas para se resolver o problema da segurança urbana, o desenho da cidade pode contribuir lindamente para nos aproximarmos dessas condições.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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