O passado como farol de um futuro digno

1 de outubro de 2024

Tragédias de qualquer espécie costumam ocupar um imenso espaço na mídia nos primeiros dias após a sua ocorrência, porém com muita velocidade desaparecem do noticiário. O que aconteceu no Rio Grande do Sul em maio passado não foi diferente. No entanto, isso não significa que se deva deixar de se atentar para as lições daquela catástrofe, principalmente no que diz respeito às medidas de atendimento e prevenção de uma faixa da população: a dos idosos. 

De acordo com o Censo 2022, o Rio Grande do Sul tem14,1% da sua população com 65 anos ou mais, além do menor percentual de crianças – o que leva o estado a ocupar o primeiro lugar entre as unidades da federação em relação à concentração de idosos. Frente a isso, trago a reflexão do quanto as cidades, e não apenas as gaúchas, é claro, deveriam se preparar para atender às demandas dessa faixa de seus habitantes de um modo geral – já tratamos disso neste espaço –, todavia com ênfase especial nas situações de desastres. Se o passado é, evidentemente, imutável, talvez não haja melhor farol do que ele para iluminar o futuro.  E isso pode ser traduzido em pessoas: a sociedade tem obrigação de assegurar um futuro digno tanto para as populações que mais o representam, os pequenos, como para os mais velhos, sinônimo de passado.

 A exemplo das crianças e das pessoas com deficiência (PcD), os idosos estão entre as populações de maior vulnerabilidade, em razão de suas limitações físicas. Não por acaso, eles fizeram parte do grupo que teve maior dificuldade para ser resgatado durante os dias de caos que as chuvas provocaram no Sul. 

Não é difícil entender o porquê. Para atender os idosos – fiquemos nessa faixa da população –, via de regra, é necessário se atentar, por exemplo, à deficiência auditiva, sem que o uso da comunicação em libras seja sempre acessível para aqueles que precisam ser resgatados de alguma situação de risco. Também não se pode perder de vista a frequente incidência de problemas crônicos de saúde daquela população, o que exige a presença de profissionais em número suficiente para planos de contingência. Esses profissionais precisam ser reconhecidos não apenas com remunerações justas; devem receber também formações qualificadas que os capacitem a atuar com segurança e precisão diante de situações extremas. 

Já deve ter ficado cristalino que o planejamento urbano precisa contemplar com prioridade essas facetas.  Os gestores públicos devem ser atores-chave na articulação em favor da sociedade e do bem-estar social, sobretudo em situações adversas. Entretanto, ao falarmos dos pormenores de um planejamento urbano como a atenção para com os idosos em casos de tragédias, é necessário considerar que o processo participativo da população é crucial para identificar o melhor caminho para que se promova um modelo de cidade que a torne funcional, produtiva e inclusiva. 

Medellín, na Colômbia, nos ensina que o engajamento cívico foi e segue sendo fundamental para que a cidade ocupe uma posição de referência planetária em termos de Urbanismo Social. Essa construção em conjunto, que une poder público, sociedade civil e também o setor privado e a academia, só traz benefícios, ao derrubar o vezo de colocar tudo de ruim na conta dos governos.  

Capacitar a população para defender seus interesses enriquece o debate público. E um debate público mais rico e potente viabiliza uma sociedade mais apta a enfrentar, por exemplo, as consequências danosas dos efeitos climáticos extremos. 

Gabriela Vasconcelos – Coordenadora de Projetos e coordenadora-adjunta do Núcleo Habitação, Real Estate e Regulação do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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