O marketing do Marketing pode resolver o marketing, mas não conserta Arquitetura ruim

14 de setembro de 2023

Segundo Peter Drucker, “marketing é o processo social olhado do ponto de vista de seus resultados finais, isto é, do ponto de vista do consumidor.” Seu objetivo “é tornar supérfluo o esforço de venda”.

Seria ótimo se funcionasse assim mesmo, mas a verdade é que essa é uma seara na qual novos gurus e novas teorias surgem o tempo todo. São 3, 4, 5, 7 e 8 P’s, 3 A’s, 3, 4 ou 5 Pilares, 5 Lições e por aí vai.

É o marketing do Marketing.

O que não muda, nunca, são os conceitos sobre os quais essa ciência se apoia: marketing de resposta, de previsão e de criação de necessidades.

O marketing de resposta é o marketing ativo, aquele que responde a uma demanda, e busca satisfazer necessidades. É, naturalmente, a maior parte do que é produzido, e a abordagem mais utilizada, a bacia grande onde cabem até os menos talentosos.

O marketing de previsão, por outro lado, é coisa de gente realmente talentosa, já que precisa identificar uma necessidade latente ou emergente, seja por insights do profissional ou do próprio cliente. Confirmar é outra dificuldade, ora apostando na intuição, ora investindo pesado em análises do mercado, com estudos de cenário e simulações, testes, grupos focais. É caro, ou arriscado. Às vezes, é caro e arriscado.

O marketing de criação de necessidades é onde se encaixam as inovações e os produtos e serviços disruptivos, e a dificuldade é criar desejo e demanda por um produto ou serviço até então desconhecido. É coisa de gente grande, com histórias de sucessos retumbantes e fracassos colossais.

O mercado imobiliário trabalha, tradicional e majoritariamente, com o tipo mais básico (e mais sem graça), o marketing de resposta, quase sempre com as mesmas mensagens, batidas e cansadas. Mal se dão conta que, de uma forma geral, ou o ponto é tão interessante que o empreendimento se vende quase “sozinho”, ou o argumento é o preço (baixo em relação aos concorrentes), o que também acelera as vendas. Se não tiver ponto ou preço, com os projetos de Arquitetura que andam por aí, não há verba publicitária, guru de marketing ou varanda gourmet que evitem o desastre.

Já os empreendimentos que possuem projetos de Arquitetura de alta qualidade, inovadores, de bom gosto, autorais, podem apostar no marketing de previsão, investindo em nichos de mercado e públicos-alvo selecionados e específicos, a partir de muita investigação ou não.

Ou não (sem investigação, sem pesquisas, sem grupos focais) porque, da forma como enxergo, quando a Arquitetura é boa de verdade e a proposta condizente com o local, na escala adequada, basta seguir os instintos e a intuição.

O mercado imobiliário — e seus executivos — gostam de escala, grandes prédios, quarteirões e VGV’s grandes o suficiente para gerar bônus anuais. As grandes empresas não podem se dar ao luxo de arriscar muito, de atuar nos nichos, de fazer prédios pequenos, deixam um “oceano azul” disponível para Incorporadores menores, e sintonizados.

Mas, paradoxalmente e sem perceber, por aquele tipo de escolha que fica bem nas planilhas e nas apresentações dos Conselhos de Administração (mas ruins na cidade), acabam investindo também no marketing de criação. Explico: Arquitetura pobre e atributos de qualidade duvidosos, quando não compensados por um ponto espetacular ou por um preço atrativo, fazem com que os departamentos de marketing precisem operar um milagre, e transformar água em vinho.

A missão é árdua, mas acabará sendo compartilhada com o concorrente que insiste na mesma cartilha batida e sem graça, transformando um ponto ruim num novo destino de desejo, ou “repaginando” as selvas de pedra desconectadas das ruas como um grande clube onde todos serão felizes. 

Pode dar certo, pode não dar. Pode dar certo, mas no tempo errado, o que, no negócio de incorporação imobiliária, equivale a dar errado.

As perguntas importantes são: porque não fazer bem feito, com uma Arquitetura de alta qualidade, logo de uma vez? Por que não adaptar o empreendimento às demandas e à realidade do quarteirão? Porque padronizar tanto?

Pode ser preguiça, pode ser baixo capital cultural, ou até mesmo desinteresse e falta de cuidado com o legado que se pretende deixar. Mas pode ser uma coisa ainda mais séria.

Pode ser que falte à essas Incorporadoras alma, uma “raison d’être”, sua razão de existir, o seu “porquê”, como diria Simon Sinek. 

Talvez elas sejam orientadas pelo resultado, apenas, e quanto menos alma, menos propósito e mais orientação à última linha das planilhas, maior o risco de… agredir a última linha da planilha e depender de transformar água em vinho, latão em ouro, arquitetura ruim em objeto do desejo.

E o engraçado (e, ao mesmo tempo, um grande clichê) é que, quanto menos verdade tem um empreendimento, mais tempo e recursos será gasto para alguém (o marketing) tentar construir uma verdade que nem é sua, nem é consistente, e nem de verdade será.

Será apenas marketing.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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