O “gerundismo” contra a capacidade de realizar?

9 de outubro de 2025

O mundo perdeu, na semana passada, Kongjian Yu, arquiteto e urbanista, professor da Universidade de Pequim e diretor do escritório de arquitetura paisagística Turenscape, criador do conceito das “cidades-esponja”.

Parque Benjakitti Forest em Bangkok, Tailândia, projeto do escritório Turenscape, por Kongjian Yu. Foto: Wikimedia Commons

O primeiro projeto em que Kongjian Yu aplicou o conceito de “cidades-esponja” foi o Beijing Zhongguancun Life Science Park (2000), com um conjunto de pântanos construídos em terraços (“earth-life cells”) captando a água de chuva concentrada no verão, desacelerando o escoamento, filtrando e reutilizando a água no próprio campus. A partir daí, o sucesso foi tão grande que a China adotou o conceito de “cidades-esponja” como política nacional desde 2013.

Para além da inteligência de reter — e aproveitar — a água no local onde cai, ao invés de precisar recolher e transportar, a infraestrutura tipo “esponja” é bela, e torna as cidades mais bonitas e mais humanas. Ela também cria áreas de lazer: toda essa infraestrutura vem em forma de parques, com lagoas, escadas de água e espelhos d’água, passarelas suspensas, locais de piquenique, de contemplação, mirantes, etc.

As “cidades-esponja” são projetos de longo prazo, em escala monumental (escala de cidade), a partir de uma visão de futuro e objetivos bastantes claros. É um projeto “de estado”, e não uma iniciativa “de governo”. É infraestrutura pública, executada com recursos públicos, e não um conjunto de medidas difusas com responsabilidades terceirizadas para o setor privado, como são as áreas de permeabilidade nos lotes e as caixas de retenção para água pluvial, obrigatórias em várias cidades brasileiras (e que, sem a menor relevância real, são mais um “política de papel”).

Se lá o poder público aposta em inovação, cria políticas públicas e lidera a mudança, arcando com os custos e implantando a solução, aqui fazemos seminários, papers, encontros e criamos legislação que, ao invés de abraçar a inovação e a inteligência, terceiriza a responsabilidade do poder público para os empreendedores privados.

Enquanto a China e várias cidades europeias resolvem problemas históricos de drenagem e alagamentos com a implantação de infraestrutura verde de grande porte, o Brasil continua debatendo, discutindo, escrevendo, legislando e transferindo responsabilidades, num eterno “gerundismo” (indo, endo, ando…) sem qualquer chance de sucesso.

Suspeito que, no Brasil, tenhamos perdido a capacidade de perceber a diferença entre “querer fazer” e “realizar”. Vivemos no gerúndio, sempre no meio do caminho, fazendo diagnósticos sem fim, apresentando milhares de “estudos” em centenas de seminários. Nesse meio tempo, em meio a medalhas, teses de mestrado e muita mídia, continuamos assistindo, a cada ano, mais cidades sofrendo os efeitos de chuva concentrada, alagamentos, deslizamentos de terra, negócios paralisados e vidas perdidas.

O “gerundismo” e a paixão pelo diagnóstico estão apagando a vontade de fazer. Com o tempo, apagarão a nossa capacidade de realizar.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR e fundador do INSTITUTO CALÇADA. Acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou. ([email protected])
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