O gentílico que a cidade inventou

28 de novembro de 2025

O gentílico curitibano é mais que adjetivo pátrio. É uma palavra que carrega, em cada sílaba, o resultado de uma reinvenção urbana construída a muitas mãos.  

A cidade de Curitiba atraiu milhares de novos habitantes na segunda metade do século 20. A expansão cafeeira e a construção de hidrelétricas e rodovias no estado, além do avanço da industrialização, fizeram sua população dobrar em apenas uma década, superando 600 mil moradores em 1960. Nesse período, a sociabilidade era fragmentada e marcada por diferentes redes de convívio comunitário, como clubes, grupos étnicos, instituições religiosas e colônias. Esses espaços tinham grande importância social, entretanto eram bastante homogêneos, segmentados por classe social, etnia ou religião. 

Nas capitais brasileiras, problemas urbanos como alagamentos decorrentes de ocupações às margens dos rios e o espraiamento desordenado se intensificavam, indicando o futuro que Curitiba poderia enfrentar e reforçando a necessidade de agir antes que fosse tarde.

Como se o universo conspirasse, o problema nasceu enquanto a solução florescia. No mesmo período, formava-se a primeira turma de arquitetos urbanistas do Paraná. Jovens criativos e atentos aos riscos que o crescimento desordenado já apresentava em outras grandes cidades.

Desse encontro entre urgência e imaginação nasceu um projeto de futuro. Esses profissionais imaginaram uma nova identidade que tratava da humanização da cidade, da necessidade de locais de encontro, da valorização do pedestre e do respeito ecológico. A cidade é uma invenção do ser humano, e é para ele que deve ser dimensionada – dizia Jaime Lerner. 

A partir de 1971, esse sonho começou a tomar forma, quando operações de arquitetura e urbanismo transformaram a estrutura física e social da capital. Projetos urbanos multifuncionais, articulados entre o poder público e a iniciativa privada, responderam aos desafios urbanos da realidade apresentada na época.  

Nasceram parques, como o Barigui e o São Lourenço, ruas exclusivas para pedestres, como a Rua XV de Novembro, praças e feiras que redesenharam a paisagem cotidiana. Esses novos espaços não apenas reorganizaram a cidade, mas criaram lugares de encontro, rompendo barreiras invisíveis entre grupos sociais e culturais, ajudando a moldar uma nova identidade compartilhada.

A concepção desses novos espaços aproximou imigrantes, migrantes internos e populações tradicionais. A partir daí, curitibano deixou de ser resultado de uma norma linguística e passou a representar convivências reais compartilhadas na paisagem urbana que, ao ser reinventada, transformou também aqueles que nela vivem.

Hoje, essa identidade coletiva se revela de várias maneiras no curitibano: devorando pinhão como se o inverno fosse acabar amanhã, respeitando filas com a paciência de um monge e, claro, evitando o maior dos crimes – cometer a heresia suprema de não jogar o lixo no lixo. Pequenos rituais que, somados, revelam a força de um gentílico que a cidade não herdou, mas inventou.

Érika Poleto 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Com base na experiência de Jaime Lerner e das equipes que com ele trabalharam, o Instituto Jaime Lerner almeja despertar uma consciência positiva sobre o potencial transformador das cidades e seu desenvolvimento sustentável, inclusivo e criativo. ([email protected])
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