O fim do achismo na política urbana

25 de agosto de 2023

Nas últimas décadas a disponibilidade de dados cresceu de forma vertiginosa e sem precedentes na história, exercendo um papel fundamental na elaboração de políticas e na gestão pública. Em paralelo a este avanço, estudiosos desenvolvem metodologias cada vez mais sofisticadas para extrair adequadamente o conhecimento a partir deste enorme contingente de informações. Todos os indivíduos, organizações e dinâmicas sociais estão sujeitos a essa realidade que se tornou imprescindível para a tomada de decisões em qualquer escala.

A administração pública pode contar com um arsenal de subsídios técnicos capazes de realizar previsões, verificar experiências exitosas mundo afora, comparar resultados de medidas distintas, adequar de casos de sucessos para diferentes contextos, dentre várias outras possibilidades que permitem melhor aproveitamento de recursos e um impacto social mais abrangente. Essa realidade também é fundamental para evitar o “rent seeking”, a captura do estado para satisfação de interesses escusos.

Infelizmente, apesar da existência de inúmeras técnicas consagradas, muitas localidades simplesmente ignoram este fato ou fazem muito pouco para adequar as respectivas administrações públicas ao contexto contemporâneo. As razões para isso são variadas, mas sempre acarretam a elaboração de políticas pouco eficazes e que minam ganhos econômicos, sociais, ambientais, entre outros.

No contexto das cidades brasileiras, esta realidade não é diferente, apesar de inúmeras medidas de sucessos em solo nacional e internacional e das técnicas avançadas já mencionadas, os administradores e políticos insistem em promover discussões ultrapassadas, pouco objetivas e sem embasamento científico. Por exemplo, em um formidável artigo, Anagol, Ferreira e Rexer (2021), concluíram que o Plano Diretor Estratégico de São Paulo do ano de 2014 foi responsável por evitar um aumento ainda mais significativo dos preços de aluguel. Apesar disso, inúmeras figuras proeminentes do debate público insistem no contrário, mas sem apresentar um contraponto amparado por uma análise consistente dos dados.

Essa postura é extremamente danosa a população, abre-se mão da criação de um ordenamento urbanístico coeso e de intervenções exitosas em prol de ideologias e pressões de grupo de interesse, o que resulta em cidades excludentes, pobres e agressivas ao meio ambiente. Por óbvio, sempre existirá espaço para visões de mundo distintas e opiniões conflitantes, a política é justamente o campo em que essas questões devem ser resolvidas, mas, independente da proposição, devem ser amparadas por evidências e análises de impacto.

Com pesar, ao contrário dessa lógica, vários gestores urbanos acabam assumindo um papel de “desenhistas” da cidade, assumem uma ideia do que seria ideal para aquele município e como este deveria se desenvolver. Em vários casos, a lógica interna do argumento faz sentido, mas, como se sabe, o espaço urbano é um grande emaranhado de pessoas com visões, ideias e pretensões completamente distintas. Logo, é praticamente impossível que um grupo de indivíduos tenha capacidade de organizar o território de modo a atender de forma adequada os anseios existentes. Além disso, não é porque uma proposição é dotada de coerência interna que seus efeitos práticos serão os pretendidos.

A execução de políticas inadequadas custa muito caro aos cofres públicos e joga uma série de oportunidades no lixo, é preciso que se abandone urgentemente essa abordagem especulativa rasa em prol de uma administração balizada por técnicas já validadas e experiências exitosas. O processo de avaliação das medidas deve ser contínuo, realizando adequações nos pontos que se mostrarem insatisfatórios e mantendo o que funciona. Trata-se de um trabalho árduo, que exige grande esforço, e, em muitos casos, irá contrariar convicções próprias ou desagradar aliados, entretanto, é um preço muito pequeno que a ser pago para a viabilização de cidades mais democráticas e prósperas.

É imprescindível que o “achismo” seja deixado de lado e a técnica substitua seu lugar, sem perder de vista a participação popular, mas sempre balizando os pleitos da população a partir de uma metodologia adequada. Pode ser bem frustrante observar uma crença particular sucumbir frente a realidade, mas o benefício difuso gerado certamente vale mais do que um capricho individual.

Coluna de autoria de Pedro Portes.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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