O fim da exigência de vagas — quem diria — melhorou a paisagem do Rio de Janeiro

15 de outubro de 2025

Estive recentemente caminhando pelo bairro de Botafogo e me deparei com alguns edifícios visualmente desagradáveis — não necessariamente antigos, mas ainda assim marcados por uma estética que causa certo incômodo. Refletindo sobre o que tornava essas construções tão desarmônicas, percebi que o principal problema estava nos diversos pavimentos de garagem, muitas vezes seguidos por um andar de lazer, o conhecido “playground”. Sem entrar no mérito da qualidade arquitetônica — o que deixo para outros articulistas da cidade —, o simples afastamento das unidades residenciais em relação ao nível da rua já é suficiente para provocar uma fragmentação na paisagem urbana, quebrando a continuidade do olhar e enfraquecendo a relação entre o edifício e o espaço público.

Uma das marcas mais evidentes da forma urbana do Rio de Janeiro é justamente a presença desses embasamentos com garagens — elementos que afastaram as áreas habitáveis do nível da rua e romperam a integração entre o espaço público e o privado, configurando talvez um dos maiores equívocos da história urbana da cidade. Até 1957, a reserva de locais para estacionamento em edifícios não era uma exigência. Foi apenas com a publicação da chamada “Lei das Garagens” que se tornou obrigatória a construção de espaços destinados ao abrigo de veículos em novos empreendimentos. À época, o Departamento de Urbanismo da Secretaria de Obras já apontava as deficiências de bairros como Copacabana, cuja alta densidade e vocação funcional agravavam os problemas de estacionamento, intensificados pela expansão da indústria automobilística nas décadas seguintes.

Com o avanço das normas urbanísticas, passou-se a permitir que os pavimentos de garagem em edifícios residenciais ou mistos não fossem contabilizados no cálculo de altura máxima e afastamentos, o que estimulou a proliferação desses volumes na base das construções. Surgia, assim, o modelo do “embasamento garagem”, que se consolidou como uma característica dominante da paisagem carioca. Esse padrão, voltado prioritariamente ao automóvel, contribuiu para o empobrecimento da vida nas ruas e para a fragmentação da cidade, deixando como desafio contemporâneo repensar formas urbanas mais integradas, acessíveis e socialmente ativas.

O fim da obrigatoriedade de vagas em grande parte da cidade, após a aprovação do novo Plano Diretor em 2024, fez com que muitos edifícios recentes fossem projetados sem áreas de estacionamento, decretando — ainda que indiretamente — o fim do embasamento. Não que esse instrumento tenha desaparecido da legislação, mas, ao passar a contar no número total de pavimentos, tornou-se menos vantajoso economicamente. A decisão dos incorporadores, portanto, passou a privilegiar áreas vendáveis, mais do que qualquer diretriz de mobilidade urbana. Ainda assim, o plano cumpre seu papel dentro do que lhe é possível: orientar a forma urbana desejada.

O reflexo dessa mudança já é visível. Copacabana, por exemplo, vive um novo boom imobiliário depois de anos sem lançamentos. Até pouco tempo, o bairro exigia o dobro de vagas de garagem em relação ao restante da cidade, o que inviabilizava novas construções. Agora, aliado aos incentivos da operação interligada do programa Reviver Centro, o bairro começa a preencher seus vazios urbanos com pequenos edifícios erguidos entre construções de 12 a 14 pavimentos. São projetos com fachadas ativas, implantados em lotes menores, com uma edificação por lote — ao invés dos grandes condomínios murados com guaritas. O resultado é uma cidade mais permeável, viva e integrada à rua.

Viva o fim das vagas — a paisagem urbana agradece.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

Arquiteto pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (1991), é Mestre em Arquitetura (2010) e Doutor em Arquitetura (2014) pelo PROARQ da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. É professor da Universidade Veiga de Almeida e do Mestrado Profissional no Programa de Pós-graduação em Projeto e Patrimônio da UFRJ. Sócio do escritório DCArquitetura e consultor de Planejamento Urbano. Autor de quatro livros sobre as transformações urbanas da cidade do Rio de Janeiro.
VER MAIS COLUNAS