Sempre que recebo alguém de fora do Rio de Janeiro, seja brasileiro ou estrangeiro, a pergunta inevitável é: “Vale a pena visitar o Cristo Redentor?”. Em seguida, vem a questão “E você, vai muito lá?”. Eu respondo: “Olha, só fui lá duas vezes na vida. A primeira, eu era muito pequeno e mal me lembro. A segunda foi em 2008”. Isso pode parecer quase absurdo, considerando que moro em uma cidade cuja paisagem é um ícone mundial. Cabe ressaltar que por não ser católico vejo o Cristo Redentor como um marco na paisagem da cidade.
Essa aparente contradição me levou a refletir sobre o motivo de eu frequentar tão pouco um dos maiores símbolos do Rio e, talvez, do Brasil. A conclusão a que cheguei está relacionada ao conceito de “relativização da paisagem”. Como explica o geógrafo Yi-Fu Tuan em seu livro Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência, “quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar”. Esse lugar não é apenas físico; é também construído a partir de nossas experiências, memórias e rotinas.
O Cristo Redentor, visível de tantos pontos do Rio, deixou de ser apenas um monumento para mim. Tornou-se um marco constante, parte do meu cotidiano, algo que vejo quase todos os dias, muitas vezes enquanto estou no trânsito. No entanto, ao refletir sobre isso, lembro-me de situações que observei em viagens. Em lugares icônicos, como a Torre Eiffel, em Paris, ou o Portão de Brandemburgo, em Berlim, é comum ver moradores locais passando apressados, sem sequer olhar para esses marcos. Provavelmente estão a caminho do trabalho ou cumprindo suas tarefas diárias. Para essas pessoas, esses monumentos já não têm o impacto de algo extraordinário; eles fazem parte de um lugar familiar.
Essa experiência me faz lembrar de um paralelo interessante do período em que morei em Hong Kong. Aos domingos, tinha o hábito de observar o icônico skyline da ilha, mas para apreciar essa paisagem era necessário cruzar a Victoria Harbour e chegar à península. Normalmente, fazia esse trajeto de ferry, pois gostava de ver a cidade refletida nas águas. Ficava ali sentado por cerca de 2h, ouvindo música e admirando as inúmeras torres que compõem o horizonte da ilha.
No início, tudo era novidade; cada detalhe parecia fascinante. Contudo, com o tempo, aquele cenário tornou-se familiar. Gradualmente, o passeio deixou de ser sobre admirar a paisagem e passou a ser uma maneira de encontrar um lugar que me transmitisse paz e conforto. Naquela altura, já no segundo mês em Hong Kong, eu me sentia feliz ao voltar para o meu pequeno quarto de 7 metros quadrados — um espaço que, apesar de modesto, eu já chamava de lar.
A paisagem, portanto, não é algo fixo; ela é relativa e moldada pela experiência. Para os turistas, o Cristo Redentor representa o auge da experiência carioca, um símbolo que coroa sua visão da cidade. Para mim, no entanto, ele é um pano de fundo constante, que, embora muitas vezes se torne “invisível” no dia a dia, carrega um profundo sentido de pertencimento e familiaridade — uma conexão que se renova toda vez que meus olhos repousam sobre ele.
Em outras palavras, a experiência de viver na cidade é plural, simultaneamente íntima e universal. Ela reflete a complexidade de habitar um lugar que, para tantos, é um destino sonhado, mas que, para nós, é simplesmente casa.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.