No dia 8 de julho de 2023, São Paulo concluiu a revisão intermediária de seu Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado em 2014. A elaboração de um novo plano está prevista para 2029.
A revisão de 2023 não visava repensar o Sistema de Planejamento. Entretanto, esse é um tema de extrema importância, pois o plano diretor é apenas uma peça em uma complexa engrenagem, que precisa ser conhecida e aperfeiçoada.
O PDE define um Sistema Municipal de Planejamento composto pelos seguintes instrumentos: Plano Diretor, Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual, Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LUOS), Programa de Metas, Planos Regionais de Subprefeituras, Planos de Bairro, planos setoriais de políticas urbano-ambientais, Código de Obras e Edificações e Plano Municipal de Cidades Inteligentes. Entre os planos setoriais pode-se destacar os de Ação Climática, Mobilidade, Saneamento Básico, Resíduos Sólidos e a Agenda 2030. Embora não constem da lista, integram também o Sistema as Operações Urbanas Consorciadas (OUC), os Planos de Intervenção Urbana (PIU) e os Planos de Melhoramentos Viários.
Como ocorre em muitas outras cidades, São Paulo estabelece sua regulação urbanística por meio de dois instrumentos principais: o Plano Diretor e a LUOS, também conhecida como “lei de zoneamento”. Nesse sistema, caberia ao PDE estabelecer o macrozoneamento e os objetivos estratégicos a serem perseguidos na ocupação do território, enquanto a LUOS determinaria o zoneamento de usos e os índices urbanísticos que definem o potencial construtivo de cada lote. Há municípios que incluem o zoneamento no plano diretor e não elaboram uma LUOS. Ambos os modelos são válidos e apresentam vantagens e desvantagens, mas implicam em conceitos distintos de plano diretor.
O Estatuto da Cidade prevê operações urbanas consorciadas para regiões específicas da cidade, visando alcançar “transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental”. Estão em vigor em São Paulo as OUC Faria Lima, Água Espraiada e Água Branca.
O PDE paulistano criou, ainda, um instrumento novo, denominado “Plano de Intervenção Urbana” (PIU), que tem por objetivo “promover o ordenamento e a reestruturação urbana em áreas subutilizadas ou com potencial de transformação e qualificação”. Atualmente, estão em vigor os PIU Vila Leopoldina-Vila Lobos, Arco Jurubatuba, Setor Central (que substituiu a OUC Centro) e Anhembi.
Apesar da qualificação de “estratégico”, o PDE estabelece diversos parâmetros quantitativos (como as áreas de influência dos eixos de transporte coletivo, a serem adensadas) e normas regulamentadoras de instrumentos urbanísticos. Isso revela uma inconsistência no sistema de planejamento, pois os índices urbanísticos deveriam ser estabelecidos na LUOS, nos PIU e nas OUC, mas não no próprio PDE.
Existem, ainda, leis autônomas para determinadas áreas da cidade, que não estavam previstas no Sistema. É o caso, por exemplo, do Programa Requalifica Centro, que estabelece incentivos para a requalificação de edificações, e do Triângulo SP, que busca promover a revitalização cultural, econômica e artística de uma parte do centro histórico.
Um ponto a ser melhor equacionado é a implantação de equipamentos urbanos e comunitários. O PDE contém anexos com a localização do sistema viário e das linhas de metrô existentes e planejadas. Admite, no entanto, que essas obras sejam executadas em desacordo com o previsto.
O sistema de planejamento deveria ser estruturado em uma lei distinta do plano diretor, que estabelecesse os tipos de planos e os instrumentos de política urbana. Cada plano teria seu conteúdo, forma de apresentação, escala e procedimento de elaboração claramente estabelecidos. As matérias reservadas a cada plano (o que inclui os instrumentos de política urbana e a localização dos equipamentos públicos) somente poderiam ser tratadas por meio deles (princípio da reserva de plano), impedindo que normas distintas alterem a regulação urbanística (princípio da tipicidade dos planos urbanísticos).
Esse é um tipo de legislação amplamente difundida internacionalmente (em alguns países denominado “Código de Urbanismo”). que poderia ser adotado no Brasil por meio de lei federal, estadual ou municipal. Uma iniciativa nesse sentido é o PL 5680/2019, que se encontra no Senado Federal, que se inspira no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial de Portugal. Ele organiza o sistema brasileiro em torno de apenas quatro tipos de plano: de desenvolvimento urbano integrado, diretor, de urbanização e de pormenor.
A exemplo do que ocorre em outras cidades, o Sistema de Planejamento de São Paulo tem muito a melhorar no sentido da institucionalização do urbanismo. Ao criar uma conexão entre planejamento e gestão, um Código de Urbanismo seria fundamental nesse sentido.
Texto de autoria de Victor Carvalho Pinto, Coordenador do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.