O afinador de cidades

1 de novembro de 2024

Desde o dia 6 de outubro de 2024, a grande maioria dos municípios brasileiros já conhece seus novos prefeitos. E os que votam em segundo turno saberão no dia 27. No livro “O Vizinho, parente por parte de rua”, o qual já abordamos em outras oportunidades, encontramos vários personagens que dão voz às facetas deste trabalho. Hoje, vamos chamar para o “palco” três deles – seu Lilico, o síndico da rua; Tsi Da Dim, o mágico dos pratos chineses; e o Koisicas, o afinador de cidades -, para tocar em alguns aspectos do papel dos novos líderes do executivo municipal.

Lilico é apresentado como um dono de armazém, atendendo a clientela com o auxílio de uma grande balança. O “armazém da participação”, sempre lotado, é o espaço político das demandas individuais, seja de pessoas, comunidades ou interesses setoriais. É trabalho de Lilico, sabendo das limitações de seu “estoque”, pesar na balança em um de seus braços as necessidades e no outro as potencialidades, o atendimento dos justos pleitos de cada um face às demandas do coletivo; daquilo que se pode alcançar a partir de uma visão do conjunto e que requer um esforço integrado. O segredo do sucesso do armazém reside em estar atento a ambos os braços. Lilico personifica também a definição clássica do relatório Brundtland sobre o desenvolvimento sustentável – aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de atenderem suas próprias necessidades – no esforço de encontrar a adequada medida para atender os diferentes interesses que competem na cidade.

Tsi da Dim, com o intenso malabarismo de seus pratos, ilustra tanto os diversos temas que, simultânea e incessantemente, exigem a atenção do chefe do executivo, cada qual com seu tamanho e prioridade, quanto à maleabilidade em acrescer novos “pratos” aos que já estão girando sem deixar cair nenhum. Ou seja, a expressão da capacidade de absorver o inesperado, o novo, o externo – inclusive oriundo do legislativo – de forma positiva, sem desarranjar o andamento daquilo que já integra a pauta da cidade e que necessita de continuidade. Outra particularidade da atuação de Tsi é que o malabarismo só é possível pelo movimento: é a energia cinética, dinâmica, a animação concertada, que permite que as múltiplas frentes de trabalho se mantenham em seus cursos a partir de um exercício de coordenação.

Tanto Lilico quanto Tsi são metáforas para a constante necessidade dos prefeitos de manterem no devido curso o aparato de governo atuando em sintonia tanto com as demandas do dia a dia quanto com a visão estratégica que se almeja atingir. São funções intimamente relacionadas ao papel do executivo, a dimensão da estrutura de gestão do Estado mais vocacionada à ação (planejada!).

Mas temos ainda o Koisikas, o afinador de cidades… Curiosa personagem essa, que coloca em realce a dimensão da sintonia, da sensibilidade e do afeto no papel dos prefeitos. Em que se pese a já não simples tarefa de manter, simultaneamente, “a balança em equilíbrio” e “os pratos em movimento”, não só de executar vive o chefe do executivo. A cidade é um organismo vivo, que se move animada por sua própria música, seus próprios gostos, seus próprios cheiros, seus próprios olhares. Mergulhar nessas nuances, atentar para suas sutilezas, para aquilo que pode fazer esse organismo mais saudável, equilibrado, harmônico, é o que realiza a alquimia que transforma quantidade em quantidade e qualidade. Citando o livro, “quando falta alguma coisa na cidade, é porque ela não tem um Koisicas que preste.”

Baita responsabilidade! E privilégio!

Ariadne dos Santos Daher

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Com base na experiência de Jaime Lerner e das equipes que com ele trabalharam, o Instituto Jaime Lerner almeja despertar uma consciência positiva sobre o potencial transformador das cidades e seu desenvolvimento sustentável, inclusivo e criativo. ([email protected])
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