Natal descobre os patinetes: moda, mobilidade ou caos?

2 de outubro de 2025

Natal entrou recentemente na lista de cidades brasileiras que receberam o serviço de patinetes elétricos compartilhados. A cena que já foi comum em São Paulo, Rio e Recife começa agora a se repetir aqui: jovens, turistas e curiosos deslizando pela orla e por alguns trechos mais centrais da cidade. Mas junto com a novidade vem também a reflexão sobre como a população reage e como o espaço urbano responde.

Em pouco tempo, já se observam comportamentos típicos de qualquer cidade que recebe esse tipo de serviço. De um lado, o entusiasmo: para muitos, é um símbolo de modernidade, uma experiência divertida e uma solução de mobilidade rápida para percursos curtos. De outro, os excessos: patinetes deixados de qualquer jeito nas calçadas, gente sem capacete, disputando espaço com pedestres, e até o uso em rodovias urbanas, onde claramente não cabem. Nem vou falar dos patinetes dentro da casa de uns e em cima do telhado de outros.

Esse contraste entre a promessa da inovação e os limites do uso revela algo importante sobre nossas cidades: não basta importar soluções tecnológicas, é preciso preparar o espaço urbano e educar seus usuários. Natal ainda é uma cidade com calçadas precárias em boa parte dos bairros, ciclovias descontínuas e legislação pouco clara sobre micromobilidade. Jogar os patinetes nessa realidade é quase um experimento social — e os resultados já mostram o choque entre desejo de inovação e falta de infraestrutura.

A reação da população também é reveladora. Há quem veja os patinetes como “coisa de elite” ou brinquedo de turista, desconectado das necessidades reais de mobilidade da maioria. Mas há também quem perceba neles um convite para repensar a cidade: se é possível cruzar trechos rapidamente de patinete, por que não investir em uma malha de ciclovias que realmente funcione? Por que não transformar a orla em um corredor seguro e contínuo para bicicletas, pedestres e micromobilidade?

Os patinetes, portanto, não são apenas um serviço a mais. Eles funcionam como espelho. Expõem nossas carências de desenho urbano, nossa dificuldade de convivência no espaço público e até nosso comportamento coletivo diante de algo novo. Se em alguns lugares eles acabam abandonados e destruídos, isso diz mais sobre a relação da população com a cidade do que sobre os patinetes em si.

No fim, a chegada dos patinetes a Natal é uma bela oportunidade de debate. Mais do que julgar se são moda passageira ou solução definitiva, vale observar o que eles revelam sobre a cidade que temos e a cidade que queremos. Se forem apenas um brinquedo temporário, reforçarão o caráter excludente e improvisado de nosso espaço urbano. Mas se inspirarem discussões sérias sobre mobilidade, desenho urbano e comportamento coletivo, já terão cumprido um papel valioso.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e urbanista, especialista em Gestão de Projetos e mestre em arquitetura pela UFRN. Atualmente é sócia da PSA Arquitetura em São Paulo (www.psa.arq.be) e da PROA Brasil (www.proabrasil.com), em Natal-RN.
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