Cada grande área tem um léxico particular, com terminologia própria e acrônimos amplamente utilizados. Com a proximidade da COP30 em Belém, o léxico do clima — com seu “abre-alas”, o acrônimo ESG — puxa a fila e pretende ser percebido como uma espécie de “selo de bom-mocismo”.
O ESG me lembra a moda da ISO 9000 no início dos anos 2000, que prometia eliminar desperdícios e aumentar a produtividade global. Não que não fosse importante (porque sim, trouxe melhorias reais para quem implementou direitinho), mas o afã com que foi apresentado, a exigência exagerada, a urgência e a exclusão de empresas não certificadas acabaram por transformar uma boa iniciativa num mercado cativo de consultorias cada vez menos relevantes e mais pasteurizadas.
O acrônimo (ESG) é tão amplo e abrangente que permite as interpretações mais diversas sobre seus objetivos, pervertendo a própria essência e comprometendo os avanços possíveis. Eu, como todos, também tenho a minha versão particular do que é (e para que serve) o ESG. Em minha visão, nada num centro urbano tem mais expressão e representa melhor o ESG do que o retrofit de prédios sem uso (ou propensos para atualização e uso residencial).
Porque um prédio existente, ao ser retrofitado, não gera demolição relevante, não gera material para transporte e descarte, não exige escavação e terraplenagem, não demanda transporte de terra e bota-fora, quase não demanda tijolos, não consome madeira na confecção das fôrmas da estrutura, não consome ferragem, concreto, escoras e tanto material e equipamentos entrando e saindo. E fica melhor, porque todos os sistemas prediais, equipamentos e instalações que serão atualizados ou refeitos serão por versões mais modernas e com consumo de água e energia muitíssimo otimizados. Os elevadores serão modernizados ou substituídos e os sistemas de segurança incrementados. A edificação será recuperada, e o quarteirão passará a contar com — ao menos — um ponto revitalizado, irradiando segurança, movimento e beleza.
Se for pensar, nada mais ESG numa cidade. Nada mais ambientalmente sustentável, nada mais socialmente defensável, nada mais positivo para a governança das zonas centrais, nada melhor para quem mora a 2h dos empregos. Em qualquer dimensão, sob qualquer ótica, retrofitar prédios e repopular (ou adensar) as zonas centrais deveria ser o “carro-chefe” na agenda ESG urbana.
A regeneração das zonas centrais e o programa de retrofit de prédios são o antídoto contra a invasão e a ocupação de áreas de proteção ambiental por favelas. Porque, para além da propaganda, essa é a imagem que os visitantes da COP30 levarão de Belém e do Brasil: uma das cidades com menor índice de coleta e tratamento de esgoto, a população morando em favelas e palafitas em áreas protegidas, e num nível de degradação ambiental severo. Se a ideia da COP30 for alertar o visitante para as consequências da falta de planejamento urbano, do espalhamento da cidade, do risco de administrações municipais ruins e da corrupção, o recado será dado, e será inesquecível.
Para além das propagandas e do jogo para a torcida, os retrofits e seus agentes, as incorporadoras, são as estrelas reais do ESG e os veículos para cidades melhores.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.