No Brasil, cada apartamento produzido irriga o poder público com 40% de seu valor. O país, ao contrário do que alardeia, serve-se lautamente da produção imobiliária para fazer caixa. É uma grande sala de espelhos, coisa de circo mambembe. E o truque segue funcionando.
Mas será que tem alternativa?
Sim. Tomemos a Inglaterra, com o seu programa, que parte de premissas muito diferentes, desde a visão de futuro ao padrão mínimo de dignidade. Lá, as moradias populares (ou HIS) não são uma categoria à parte ou um universo paralelo, onde se pode construir em locais ermos, isolados dos centros urbanos, dos empregos e sem transporte público. Lá não se admitem padrões construtivos inferiores, projetos pobres e implantações desumanizadas, com cara de bairro soviético localizado na Sibéria.
Sai o Minha Casa Minha Vida (MCMV) e entram a propriedade compartilhada e o aluguel subsidiado, aplicados em imóveis de padrão equivalente aos imóveis do mercado imobiliário local, com arquitetura de primeira qualidade, materiais tecnológicos, implantação harmônica com o bairro (conheça o Appleby Blue Almshouse).
O apartamento preserva o valor de mercado, mas as famílias de baixa renda podem comprar apenas uma fração do imóvel (digamos, 25%), financiado em 30 anos, enquanto pagam aluguel (subsidiado a 50% do valor de mercado) sobre os 75% que não lhe pertencem (além do seguro e taxa de serviço).
Quem paga essa conta? Ninguém “paga” os 75% restantes em dinheiro. Essa parte continua sendo propriedade da associação habitacional ou da construtora, geralmente financiada por meio de subvenções públicas (do Homes England ou da Greater London Authority, entidades governamentais com essa finalidade). Existe, ainda, subsídio cruzado proveniente da venda de imóveis a preços de mercado dentro do mesmo empreendimento.
A iniciativa privada desenvolve, constrói e vende, e as associações e entidades aplicam recursos públicos e retêm propriedade. Há seguro, taxa de serviços e aluguel da parte que não lhe pertence, mas não há venda a preço reduzido, e não há nada grátis. O que há é um sistema onde o comprador precisa fazer a sua parte e é obrigado a manter o imóvel, sob pena de perder seu investimento.
As famílias seguem tendo a possibilidade de adquirir mais frações do imóvel (até a sua totalidade), reduzindo — na mesma proporção da fração adquirida — o aluguel pago pela parte que não lhe pertence.
Enquanto um trabalhador brasileiro precisa adquirir 100% de um imóvel muito ruim e pessimamente localizado, o trabalhador inglês pode morar num imóvel excelente e muito bem localizado, adquirindo inicialmente 25% do imóvel, até a sua totalidade com o passar dos anos e incremento na renda familiar.
Tome como exemplo um imóvel com valor de mercado de 400 mil libras: a família adquire 25% por 100 mil libras (financiadas em 30 anos). A prestação do financiamento será de 480 libras, acrescidas de 200 libras de taxa de serviço e 750 libras pelo aluguel subsidiado pela parte que não lhe pertence. O custo mensal é de 1.430 libras.
Mais à frente, a família pode aumentar o valor financiado até adquirir os 75% restantes das frações do imóvel, quando troca o valor mensal do aluguel por um financiamento maior (o custo sobe para 2.130 libras mensais).
A grande lição aqui é que ninguém produziu porcaria, ninguém precisa morar num lugar ermo, sem cidade, sem transporte público, sem empregos e sem vida. Ninguém ganha apartamento, ninguém ganha aluguel grátis, e quem compra precisa se responsabilizar por manter o imóvel, enquanto a propriedade permaneça compartilhada.
Direitos acompanhados de deveres, dignidade e todos cidadãos de primeira classe. Que tal?
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.