O ano era 1952, e Belo Horizonte triscava o futuro pelas mãos de seu governador, Juscelino Kubitschek. A Pampulha já estava aí há uns 10 anos, quando JK ainda era prefeito, mas deu o tom.
A capital, então com pouco mais de 50 anos, sobrava. Sobrava modernidade, sobrava crescimento, sobrava vanguarda nas artes plásticas, na literatura, na arquitetura, no paisagismo. A Pampulha redefiniu o limite urbano, tanto quanto o destino da elite belo-horizontina que, atraída por grandes lotes à beira da lagoa, construiu, casa a casa, um conjunto robusto da arquitetura moderna brasileira.
Reeditando o mecenato renascentista e barroco, boa parte das casas apostava na soma da arquitetura, do paisagismo, das artes plásticas (painéis em azulejo, pinturas e esculturas) e do mobiliário autoral.
Resultado fantástico e acervo riquíssimo, para dizer o mínimo.
Governador, talvez já de olho na presidência, JK volta seus olhos, então, para o Centro da cidade, e patrocina uma obra ousada, inédita nas Minas Gerais: O Conjunto Governador Kubitschek, carinhosa e sinteticamente chamado de JK.
Com área construída superior a 100 mil m² (estimativa minha, já que nunca encontrei a metragem real construída), dos quais aproximadamente dois terços em seus 1.068 apartamentos, traduz um coeficiente de aproveitamento próximo de 6,0x (cerca de 17 mil m² de terreno nas duas quadras), mas o número é um engano: o coeficiente na quadra grande é próximo a 5,0x (70 mil m² em 14,4 mil m² de terreno), mas o da quadra pequena, de frente para a Praça Raul Soares, alcança 11,5x (30 mil m² em 2.600 m² de terreno).
O programa todos conhecem: apartamentos de 1 quarto de 50,0 m² a apartamentos de 4 quartos com área superior a 140,0 m², áreas de lazer, boate, cinema, serviços.
Ninguém que anda por ali se assusta com o coeficiente, nem com o adensamento, menos ainda com sua implantação.
O conjunto é elegante, expressivo e respeitoso com a Praça, e com o entorno. O projeto é, sem qualquer dificuldade, de maior qualidade do que praticamente todos os prédios vizinhos, em especial aqueles vindos após a década de 1960 (os da década de 1970 são fracos; os das décadas de 80, 90 e 2000 são uma ode à cafonice, mas os dos últimos 15 anos são realmente “hors concours”, evidenciando o divórcio da beleza, da harmonia e da proporção com a arquitetura).
Temos, então, uma pequena cidade vertical de 5.000 habitantes que funciona (embora pudesse ser muito mais bem gerida e conservada), sem afastamentos para as divisas dos lotes, sem área de permeabilidade, interagindo com as calçadas e ruas do entorno, conversando com a cidade e utilizando coeficientes variando entre 5,0x e 11,5x.
Melhor, com apartamentos cujos valores de venda são equivalentes aos imóveis do — famigerado — MCMV (Minha Casa, Minha Vida), aquela aberração do urbanismo e da arquitetura que joga os menos afortunados em loteamentos de baixíssima qualidade, desconectados de tudo e localizados a 2 horas (ou mais) dos centros urbanos, do lazer, das atividades culturais e, pior, dos empregos.
A pergunta mais importante, para além da minha opinião nada elegante (nem elogiosa) sobre a qualidade arquitetônica dos prédios dos últimos 40 anos e do urbanismo do MCMV, é: quais são as variáveis que permitem que apartamentos localizados no Centro de Belo Horizonte tenham preço e área semelhante a casas e apartamentos de baixíssima qualidade ambiental e construtiva, a uma distância proibitiva (e excludente, para ser claro)?
Excluídas a mágica e ações de cunho filantrópico desponta, em primeiríssimo lugar, o coeficiente: quanto mais metros quadrados podem ser construídos num dado terreno, menor o custo da fração ideal no valor final da unidade.
Mas não apenas: coeficientes de aproveitamento altos só funcionam se não há exigências determinantes de afastamento frontal e laterais, nem área de permeabilidade sobre terreno natural (como nas cidades europeias desde sempre).
A exigência de ventilação e iluminação natural nos banheiros parece um detalhe pouco importante, mas não é. Edifícios de alta densidade não tem como ser projetados com banheiros tomando espaço de quartos e salas nas fachadas, sem aumentar de forma desproporcional os corredores internos das unidades (desperdício de área útil, encarecimento das unidades) e dos corredores comuns da edificação, impactando no custo geral e dificultando o atendimento à legislação de incêndio e segurança.
Mais custo, mais área construída e apartamentos que privilegiam espaços de curta permanência, em detrimento dos de longa permanência. Fosse bom e fizesse sentido, a Europa, os EUA, o Canadá, o Chile e Argentina também exigiriam (mas não, nenhum deles exige, nem antes, nem agora).
É como dizem, “em países ricos, não são os pobres que têm carro; são os ricos que andam de transporte público“.
Verdade verdadeira que se desdobra, igualmente, quanto ao local de moradia dos extratos econômicos dessas populações: a população mais pobre, menos abastada, mora nas regiões centrais das cidades, ao passo que as mais abastadas, com capacidade de compra e manutenção de carros, pode se dar ao luxo de morar em residências unifamiliares mais distantes dos centros urbanos, mais próximos da natureza, em outros municípios.
Muita gente concentrada, menor a extensão a cobrir pelo transporte público, menor o custo da infraestrutura (de fazer e de manter).
Lógica, bom senso, matemática. Nada muito complicado.
#FicaADica
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.