Matriz de riscos nos contratos de saneamento básico: editada norma de referência

30 de janeiro de 2024

Foi publicada em 15 de janeiro deste ano a Norma de Referência nº 5/2024, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, sobre a matriz de riscos para contratos de abastecimento de água e esgotamento sanitário. 

A elaboração da Norma observou o manual da Agência e envolveu as etapas produção de relatório de impacto regulatório, de tomada de subsídios, consulta e audiência pública, com análise das contribuições recebidas

A matriz de riscos é a parte dos contratos que identifica os possíveis eventos adversos que poderão surgir ao longo da concessão e aloca cada um à empresa, ao poder público (titular) ou a ambos. Essa definição é extremamente relevante, não apenas para orientar as partes caso o risco efetivamente ocorra, mas também para incentivar a parte responsável a tomar providências para prevenir, mitigar ou lidar com suas consequências. 

Os riscos alocados para o poder público justificam uma revisão tarifária em favor da concessionária, caso se realizem. A revisão tarifária visa restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e mediante alteração das tarifas cobradas dos usuários. 

Já os riscos alocados à empresa não dão ensejo a uma revisão tarifária e seus efeitos terão que ser suportados por esta. 

A inclusão da matriz de riscos nos contratos de concessão é uma tendência recente, que aumenta a segurança jurídica e reduz a judicialização. Nos contratos antigos, que não têm essa cláusula, a definição sobre quem deverá arcar com determinado risco é frequentemente feita pelo Poder Judiciário e apenas depois do fato, o que pode levar a processos que se arrastam por anos e criam um clima hostil entre as partes. 

Além de garantir a inclusão da matriz de riscos nos futuros contratos, a norma de referência estabelece uma padronização dessa matriz, uniformizando regras que atualmente se encontram fragmentadas em inúmeros contratos. 

Foram identificados 31 riscos, classificados como governamentais, patrimoniais, de demanda, sociais, políticos, jurídicos, econômico-financeiros, arqueológicos, do negócio, climáticos, ambientais, de responsabilidade civil, fato da Administração, força maior e caso fortuito. 

Entre os riscos atribuídos ao poder público, destacam-se os seguintes: atraso na concessão de licenças, decretos de desapropriação, reajustes ou revisões tarifárias; ampliação de beneficiários de tarifa social ou de isenção de pagamento; falta de energia elétrica; escassez de água que resulte em redução da captação determinada pelo gestor do recurso hídrico; e alterações legais, contratuais, do plano de saneamento ou urbanísticas (como a transformação de áreas rurais em urbanas) e outros riscos que não possam ser cobertos por seguros.

Os riscos atribuídos ao prestador do serviço incluem roubo, furto ou dano de bens; alterações de demanda decorrentes de adensamento populacional, perfil habitacional, padrão de consumo ou composição de usuários; variação de custos e operação e manutenção do sistema, das taxas de juros e de câmbio; indisponibilidade de financiamento ou de receitas alternativas; condições geológicas adversas; danos causados a terceiros; e outros riscos que possam ser cobertos por seguros.

A norma de referência não é aplicável diretamente. Depende de sua incorporação em atos normativos das agências reguladoras infranacionais e nos contratos de prestação dos serviços, o que pode exigir adaptação às circunstâncias locais e regionais. 

Apesar de positiva, a norma não é isenta de críticas. Alguns riscos foram apontados na consulta pública, mas não foram incorporados à matriz. 

A norma de referência atribui ao prestador os prejuízos causados por furto, roubo ou dano a bens. Tendo em vista que as empresas somente podem dispor de serviços de vigilância patrimonial, seria natural que esse risco fosse pelo menos compartilhado com o poder público. Além disso, há amplas áreas nas quais os moradores são abastecidos de água por ligações clandestinas gerenciadas por organizações criminosas, que só podem ser enfrentadas pelas forças de segurança pública.

Outro risco não previsto é o de ausência de drenagem e manejo de resíduos sólidos. A agência considerou que esses outros componentes do saneamento básico não afetam os serviços de abastecimento de água e o esgotamento sanitário, o que não se verifica, por exemplo, em assentamentos informais de alta densidade. 

O saneamento básico é um setor dinâmico e multifacetado, cuja regulação está em contínuo aperfeiçoamento desde 2007, quando foram estabelecidas por lei as diretrizes nacionais para o setor. As normas de referência são um importante avanço na consolidação da regulação do setor, decorrente do marco legal aprovado em 2020. Ao fortalecer a segurança jurídica, a norma sobre matriz de riscos contribuirá para a atração de investimentos privados e consequentemente para a universalização e a modicidade tarifária. 

Texto de autoria de Victor Carvalho Pinto – Coordenador do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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