As normas de referência de saneamento básico e seu impacto sobre as cidades brasileiras

19 de dezembro de 2023

Uma das principais inovações do novo marco legal do saneamento básico, aprovado em 2020, foi a transformação da Agência Nacional de Águas em Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, com competência para instituir normas de referência para a regulação do setor, que abrange os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e manejo de águas pluviais.

Ao contrário de serviços como energia elétrica, telecomunicações, transportes e aviação civil, que são de competência da União, o saneamento básico é de titularidade municipal, ainda que esta possa ser exercida por meio de estruturas de governança interfederativa, em conjunto com os estados, no caso de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.

Em geral, os serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário são regulados por agências reguladoras estaduais, ainda que existam também agências municipais e intermunicipais. A estrutura descentralizada fragmenta a regulação do setor no território nacional, gerando centenas de normas municipais e estaduais. 

Para estabelecer conceitos, modelos e metodologias uniformes em todo o país, as normas de referência da ANA visam padronizar as normas locais, favorecendo, assim, uma gestão mais eficiente por parte dos prestadores dos serviços. Entretanto, como a titularidade é local, precisarão ser reproduzidas nas normas reguladoras das agências subnacionais e nos contratos de concessão. O incentivo para que isso aconteça é o dinheiro: quem não adotar as normas federais não recebe recursos federais.

As normas de referência são fundamentais não apenas para o futuro do saneamento básico, mas também do desenvolvimento urbano de um modo geral. Elas definirão, por exemplo, como devem ser tratados os assentamentos informais, que concentram as principais carências do setor. 

Como lidar com os assentamentos informais situados em áreas de risco ou de proteção ambiental? Como harmonizar a prestação dos serviços com as políticas de ordenamento territorial, proteção do meio ambiente, defesa civil e regularização fundiária? Como assegurar a integração dos serviços de água e esgotamento com os de manejo de resíduos sólidos e drenagem? Quem deve arcar com os prejuízos causados pelas ligações clandestinas e com os custos de extensão das redes para atender loteamentos distantes? Como atuar em territórios controlados pelo crime organizado? Que tecnologias de esgotamento sanitário podem ser adotadas em áreas rurais e de favelas? Como serão financiadas a prestação dos serviços a populações de baixa renda? Como deve ser estabelecida a tarifa de água? 

As respostas a essas questões devem considerar seu impacto não somente no setor de saneamento, mas também no desenvolvimento urbano como um todo. O desafio é viabilizar a universalização dos serviços de saneamento sem incentivar a formação de novos assentamentos informais e o espraiamento urbano.

A edição das normas de referência observa um manual de elaboração, que envolve as etapas de definição do problema, estudo de alternativas, tomada de subsídios, análise de impacto regulatório, consulta pública e deliberação final.

Já foram editadas normas de referência sobre a cobrança pelo serviço de manejo de resíduos sólidos (com manual orientativo), os aditivos aos contratos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, para incorporação das metas de universalização, e a  metodologia de indenização de investimentos ainda não amortizados ou depreciados.

A agenda regulatória vigente prevê que até 2024 sejam editadas, ainda, normas de referência, sobre os seguintes temas: governança das entidades regulatórias subnacionais; metas de universalização; indicadores de qualidade e eficiência; condições gerais de prestação dos serviços; regulação de drenagem e manejo de águas pluviais; modelos de regulação, estrutura, reajuste e revisão tarifária, matriz de riscos; contratos de concessão; indenização de ativos; e contabilidade regulatória. Qualquer interessado pode participar do processo de elaboração dessas normas por meio do sistema de participação social e do painel de monitoramento da agenda regulatória, ambos disponíveis na internet.

Texto de autoria de Victor Carvalho Pinto – Coordenador do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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