Maringá: quando disciplina coletiva vira infraestrutura invisível

11 de dezembro de 2025

Maringá virou notícia internacional pela limpeza urbana e pela disciplina cotidiana de seus moradores. No fundo, nada disso deveria surpreender. Quando o desenho urbano é claro, a gestão é coerente e as regras são compreensíveis, as pessoas tendem a corresponder. É um pacto simples — mas raro — entre cidade, governo e cidadão.

O que chama atenção em Maringá não é a limpeza em si. É a combinação entre urbanismo bem estruturado e comportamento coletivo saudável. Uma cidade-jardim, ruas largas, arborização planejada, quadras que facilitam circulação e manutenção. Um desenho que já nasce organizado reduz a necessidade de “correção” depois. Há aqui uma lição pragmática: a cidade funciona melhor quando é projetada para funcionar, não para ser remendada.

Mas o traço mais poderoso do caso de Maringá é outro: a disciplina cotidiana surge de um senso real de pertencimento. Os moradores internalizaram que o espaço público não é de “ninguém”, é de todos — e, portanto, merece cuidado. Cumprir horário de coleta, reciclar, não jogar lixo na rua: ações que parecem pequenas, mas que, quando somadas, formam uma cultura urbana sólida. É a tal “disciplina” que o mundo observa, mas que, para funcionar, precisa vir acompanhada de clareza de regras, confiança mínima nas instituições e um ambiente urbano que facilite o comportamento correto.

Do ponto de vista do planejamento, Maringá reforça algo que costumo repetir: cidade é sobretudo comportamento. Infraestrutura importa — muito —, mas ela só produz resultado quando sustentada por hábitos e incentivos. Uma cidade pode ter o melhor caminhão de coleta; se o morador não entende seu papel, todo o sistema colapsa. A recíproca também vale: não adianta esperar disciplina num espaço urbano caótico, mal sinalizado, hostil ao pedestre e sem lógica de manutenção.

O caso de Maringá nos devolve a uma verdade básica do urbanismo brasileiro: qualidade urbana não é ideológica, não é luxo e não é acessório. É consequência de intencionalidade. É um investimento em reputação coletiva. E, como toda reputação, leva anos para ser construída e minutos para ser destruída.

O Brasil tem cidades com potencial enorme, mas normalmente esbarramos em dois problemas: governança frágil e baixa previsibilidade. Maringá conseguiu, ao longo de décadas, estabelecer o oposto: continuidade, clareza e coerência. Não é uma cidade perfeita — nenhuma é —, mas há método, e método produz resultado.

Se há algo que os urbanistas e gestores podem aprender com Maringá é que cuidado urbano não nasce de campanhas de marketing nem de multas isoladas. Ele nasce de senso de propósito, de regras simples, de desenho claro e de uma população que entende que viver numa cidade melhor é, antes de tudo, uma escolha — coletiva, diária e incremental.

Maringá mostra que, quando cidade e cidadão caminham na mesma direção, limpeza urbana deixa de ser notícia. Vira condição natural de uma vida urbana digna.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e urbanista, especialista em Gestão de Projetos e mestre em arquitetura pela UFRN. Atualmente é sócia da PSA Arquitetura em São Paulo (www.psa.arq.be) e da PROA Brasil (www.proabrasil.com), em Natal-RN.
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