Lendo em indicadores as consequências de acontecimentos: os casos de Belém e Vitória
13 de agosto de 2025O Instituto Cidades Responsivas divulgou uma nova atualização de seu indicador de acesso habitacional, que mede o quão caras são as habitações nas capitais brasileiras em relação à renda média de sua população. O que é interessante de visualizar na divulgação desses novos dados é como essas métricas nos ajudam a contextualizar em um panorama geral os eventos que percebemos em nossas cidades — tanto ao vivo, quanto por meio de noticiários — mas cuja dimensão muitas vezes não é simples de ser aferida.
Talvez o exemplo mais claro seja o caso de Belém, que já foi discutido nesta coluna. Devido à COP30, a 30ª Conferência da ONU sobre mudanças climáticas globais, que será sediada em Belém em novembro, observa-se um grande aumento dos preços de aluguel na cidade. Essa dinâmica contribuiu para que seu valor no indicador de acesso ao aluguel tenha aumentado significativamente, se tornando o maior dentre os municípios analisados, com o aluguel mediano na cidade agora correspondendo à 92% da renda domiciliar média na capital paraense, enquanto em setembro do ano passado esse valor era 72%.
Um evento dessa envergadura, amplamente fora da curva da dinâmica hoteleira da cidade, não poderia ser absorvida pelo sistema existente. Nesse caso, a demanda por hospedagem causa a elevação das diárias em hotéis e Airbnbs a valores tão altos que, mesmo considerando a curta duração do evento, trazem retorno financeiro superior ao aluguel “normal” que o locatário receberia caso mantivesse seu imóvel disponível para locação de longo prazo. Isso faz com que casas e apartamentos sejam redirecionados para plataformas de aluguel de curta duração, causando a diminuição da oferta de habitações disponíveis para a população residente e causando o aumento dos preços de aluguel.
Essa questão de oferta e demanda também também ajuda a explicar o aumento no indicador de acesso à compra de habitações em Vitória. A cidade possui o 2º maior preço mediano de moradias, de modo que, mesmo com sua alta renda domiciliar média, o financiamento de uma residência na capital capixaba tem se tornado inacessível para grande parte de sua população. Em dezembro de 2023, o indicador da cidade era igual a 51%, tendo aumentado para 71% na última atualização.
Pode-se especular que as tendências em curso sejam parecidas com as observadas em Florianópolis, que, assim como Vitória, é uma cidade com extensão territorial limitada e cujo mercado vem sendo impulsionado, tanto por seu crescimento demográfico quanto pela demanda turística por imóveis próximos às praias. Esses fatores fazem com que a oferta de habitações não consiga acompanhar a demanda, — especialmente com as dificuldades impostas pela geografia de ambas as cidades, que restringe as possibilidades de crescimento — o que aumenta a concorrência pelo estoque existente, criando um cenário favorável ao aumento de preços. Ambas as cidades também possuem renda domiciliar média elevada, o que indica a existência de uma demanda local com alto poder de compra e que contribui para que os preços se mantenham elevados.
Tais observações conversam com o que foi discutido pela mais recente coluna de Luís Henrique Villanova, que citou o exemplo de como o aumento da oferta habitacional em Toronto foi um fator que ajudou na contenção dos preços de moradias. Essas reflexões nos ajudam a ampliar nossa compreensão sobre o funcionamento de nossas cidades. Aqui mencionamos brevemente o que se pode observar em algumas cidades específicas, mas o que será que poderíamos imaginar analisando as outras cidades?
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.