Na minha coluna anterior, relatei a experiência de me surpreender com uma instalação artística na pequena passagem que liga a bela Av. São Luís ao icônico edifício Copan, no centro de São Paulo. Surpresa e mistério, afinal, talvez sejam elementos importantes para tornar as cidades e a vida urbana mais interessantes e estimulantes. E essa não é apenas a minha opinião.
Em episódio do The School of Life, o mistério também é destacado como um dos aspectos fundamentais por trás das cidades atraentes. “As cidades são enormes, mas as cidades que muitas pessoas amam também têm diversas ruas secundárias e pequenas vielas onde você pode se sentir confortável e se perder um pouco”, diz o narrador. “Somos atraídos pela sensação de mistério e confinamento que certas ruas oferecem”, continua.
De maneira geral, centros históricos e cidades antigas costumam apresentar um caráter mais labiríntico, cheios de curvas, passagens e pequenas vielas misteriosas, diferentemente do desenvolvimento urbano pautado pelo racionalismo moderno, rodoviarista, com suas muitas retas e grandes avenidas.
Se um quê de mistério, afinal, é algo desejável nos centros urbanos, o que fazer, por exemplo, para favorecer a implantação de passagens e pequenas vielas em novos empreendimentos a serem construídos em territórios já consolidados?
Incentivos da administração municipal a térreos ativos e fruição pública nos empreendimentos privados são um primeiro passo, mas a implantação de passagens e vielas realmente intrigantes parece exigir uma boa compreensão do contexto urbanístico do entorno, criatividade e ousadia dos empreendedores e também um diálogo qualificado entre os setores público e privado.
Ali mesmo, no entorno do Copan, por sinal, temos dois exemplos que me parecem bem ilustrativos de como novos empreendimentos privados podem colaborar ou não para tornar os centros urbanos mais misteriosos e interessantes.
Como exemplo positivo, temos o retrofit do antigo prédio da Telesp, que, além de criar novas unidades residenciais no centro, contará com uma galeria aberta no térreo, onde serão implantadas lojas, restaurantes e expostos maquinários que faziam parte das operações de telefonia do edifício. A galeria ainda possibilitará a travessia de pedestres entre as Ruas 7 de Abril e Basílio da Gama.
Como exemplo negativo, temos um empreendimento residencial recém-lançado na Rua da Consolação, na mesma quadra onde ficam os icônicos edifícios Itália, Copan, Vila Normanda e Louvre.
Trata-se, como se vê, de uma quadra com caraterísticas únicas, que une história, arquitetura de qualidade e conta com passagens de acesso a uma pequena rua privativa tanto pela Av. São Luís quanto pela Av. Ipiranga.
Os térreos dos edifícios Vila Normanda e Copan, bem integrados a essa rua privativa, oferecem aos passantes livraria, galeria de arte, sorveteria, lojas, restaurantes, bares e cafés, que, somados à alta densidade populacional e ao elevado fluxo de pessoas, fazem daquele pedaço um dos mais vibrantes e interessantes da cidade.
Pois o novo empreendimento termina exatamente na rua privativa entre os edifícios Vila Normanda e Copan. Ele poderia, portanto, oferecer uma nova travessia de pedestres conectando também a R. da Consolação à área interna da quadra, de preferência trazendo espaços para mais opções de cultura e lazer, que se aproveitariam da vocação e do intenso movimento da região.
Contudo, de acordo com o projeto, serão colocadas grades no fundo do terreno, onde será implantada uma área permeável, que provavelmente ninguém irá frequentar…
Faltaram incentivos? Faltou diálogo? Faltou criatividade e ousadia? Faltou uma melhor compreensão do contexto urbanístico? Não sei dizer. Minha única certeza é que, nesse caso, sem uma nova passagem para se desviar dos caminhos de sempre e se perder um pouco, quem perdeu, mais uma vez, foi a cidade.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.