Quando lançamos a primeira turma do MBA Cidades Responsivas, em 2021, o livro “The Responsive City: Engaging Communities Through Data-Smart Governance” (2014) já figurava entre os livros de cabeceira da pós-graduação. Fruto da iniciativa Data-Smart City Solutions, da Harvard Kennedy School, a obra de Stephen Goldsmith e Susan Crawford mostra como transversalizar dados é o aspecto mais transformador para um planejamento urbano responsivo, e não reativo.
Essa transversalização vem ganhando escala de entendimento através de uma palavra: interoperabilidade. O termo se repete em reuniões, aulas, consultorias e planos de desenvolvimento urbano. Até já ganhou forma abreviada — “interop” —, sinal de que começa a se consolidar.
A interoperabilidade conecta dados administrativos (secretarias e departamentos públicos) a dados territoriais e de infraestrutura (empresas públicas, concessionárias, centros de pesquisa) e aos dados produzidos pelos próprios cidadãos. O avanço digital amplia essas conexões e multiplica as possibilidades de integração da informação. Como lembram Crawford e Goldsmith: “Nunca, ao longo do último século, houve uma necessidade tão grande de mudar a forma como funcionamos. E nunca houve uma oportunidade tão grande para fazê-lo.”
O grande desafio, contudo, está em criar cidades conectadas institucionalmente, rompendo com a lógica dos silos de informação. Escalar esse modelo exige superar a ausência de padrões técnicos, desenvolver plataformas integradoras e investir em capacitação, fomentando uma nova cultura organizacional capaz de reduzir a fragmentação e fortalecer a cooperação.
Mais do que otimizar a gestão pública, a interoperabilidade amplia o planejamento urbano estratégico e propositivo. Dados em interoperação geram agilidade, transparência, credibilidade e clareza didática — atributos essenciais para atrair investimentos, implementar transformações concretas e qualificar a comunicação entre técnicos, gestores e cidadãos.
As experiências apresentadas em “The Responsive City” exemplificam seu potencial. Boston criou um ecossistema interoperável de dados cívicos, integrando departamentos de obras, transporte e meio ambiente em uma única plataforma de atendimento e participação cidadã. O aplicativo Citizen’s Connect (atual BOS:311) permite que os moradores registrem problemas urbanos e acompanhem sua resolução em tempo real. O resultado: prazos de resposta menores e fortalecimento da confiança pública. Chicago desenvolveu uma plataforma unificada que reúne dados de dezenas de departamentos, possibilitando ações preditivas — como prevenção de pragas e monitoramento ambiental — ao cruzar informações sobre lixo, obras, ruído e saúde. Em Los Angeles, a integração de dados entre concessionárias de energia, água e telecomunicações e as secretarias municipais reduziu retrabalhos e gerou economia expressiva de recursos.
Esses casos mostram que a interoperabilidade é hoje a estrutura e linguagem do urbanismo contemporâneo. O desafio é alinhar nosso planejamento urbano — técnica e culturalmente — às possibilidades que a tecnologia oferece, garantindo escala e permanência às ações, para que o discurso se traduza, cada vez mais, em prática.
A interoperabilidade não é um conceito novo, mas vive o contexto mais promissor para sua implementação, escala e consolidação.
Já aconteceu. Está acontecendo.
Leia o livro.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.