Incidência da luz solar e desvalorização imobiliária?

1 de outubro de 2024

A casa onde moro, além de ser geminada dos dois lados e não ter recuo em relação à calçada, é uma das poucas remanescentes em uma rua quase completamente dominada por prédios altos, de até vinte andares.

Não reclamo. Se, por um lado, os grandes edifícios nunca mais sairão da frente do meu sol e me farão sombra até o fim dos tempos, por outro, seus vigias e portarias aumentam a sensação de segurança do entorno – e sem cobrar nada de mim por isso.

Mais gente morando ali, graças aos muitos prédios que subiram no lugar das antigas casas, trouxe mais vida e movimento para o bairro, viabilizando o surgimento de um comércio bastante diversificado.

Um pouco de sombra, assim, me parece um preço aceitável a se pagar para viver em um sobrado de tijolos maciços, com quintal no fundo e pé-direito bem alto, em um bairro onde consigo fazer praticamente tudo a pé.

Nem todos os vizinhos concordam comigo e, a cada nova placa anunciando uma futura torre no lugar de um conjunto de sobradinhos, um alvoroço toma as redes sociais da vizinhança, com críticas, principalmente, a uma suposta descaracterização do bairro – havendo até o curioso caso dos moradores de apartamento a defender o tombamento das “casinhas”, por mais contraditório que possa parecer.

Com as mudanças recentes na legislação e o aumento da altura dos prédios, uma nova preocupação tem afligido a vizinhança: os novos edifícios vão deixar o bairro sem a luz do sol?

Essa foi exatamente a pergunta que o repórter Breno Damascena tentou responder em matéria publicada no Caderno Estadão Imóveis. Para Celso Paiva, um dos especialistas consultados, “o que a construção de prédios vem fazendo é [apenas] diminuir o período de exposição” à luz solar. 

Isso porque São Paulo “é cortada pelo Trópico de Capricórnio, ou seja, é o local mais ao sul do planeta onde o sol consegue atingir o ponto mais alto do céu em algum momento no ano”. Com isso, a disposição e a altura do sol dificilmente serão completamente escondidas por prédios. 

A preocupação com a sombra é legítima e também pode ter um aspecto econômico. Isso porque, historicamente, a incidência da luz solar está associada a preços até 10% maiores em relação aos de imóveis com pouca iluminação, segundo o Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (Creci-SP).

Em tempos de crise climática e elevação das temperaturas médias, será que essa relação entre incidência de luz solar e preço dos imóveis continua válida? Ou poderá, quem sabe, ter se invertido?

É inquestionável que iluminação e aquecimento ou ventilação naturais são atributos desejáveis em um imóvel. Contudo, no atual cenário, diante das ondas de calor cada vez mais intensas, longas e frequentes, ter um aparelho de ar-condicionado, em muitos casos, praticamente deixou de ser uma opção, tendo se tornado uma necessidade.

E, quanto mais um imóvel está sujeito às consequências negativas do aquecimento – fachadas envidraçadas e forte incidência de luz solar tendem a agravar a situação –, maior a necessidade de ar-condicionado e, consequentemente, maior a conta de energia (e menor o valor do imóvel)?

Não custa lembrar que períodos de muito calor, quando acompanhados por secas, tendem a encarecer ainda mais a conta de luz, já que a redução do nível dos reservatórios hídricos força o acionamento das usinas térmicas, mais caras e poluentes.

Neste novo contexto, começo aqui a fazer umas contas. Será que o conforto térmico da minha casa nos dias de calor, em parte decorrente da sombra dos edifícios vizinhos, pode ter se transformado em um ativo ante o aquecimento global? 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Economista pela FEA-USP, mestre em economia pela EESP-FGV e tem mais de 20 anos de experiência na área de pesquisas e estudos econômicos. Mora em São Paulo e caminhar pela cidade é um de seus hobbies favoritos ([email protected]).
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