Hotéis Sociais em São Paulo: a experiência do empreendedor privado

5 de dezembro de 2023

Em agosto de 2023, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, o STF estabeleceu um prazo de 120 dias para estados e municípios apresentarem suas políticas para a população em situação de rua, rumo a uma possível revisão da Política Nacional da População em Situação de Rua.

O tema é complexo e merece uma abordagem multifacetada, reconhecendo a importância de estratégias abrangentes, como no caso de “hotéis sociais”, com casos emblemáticos em Los Angeles, Nova Iorque, Paris e também em São Paulo.

Na maior metrópole brasileira, o programa, iniciado em 2007, se fortaleceu durante a pandemia e vem se consolidando como uma eficiente parceria entre os setores público e privado para mitigar um dos maiores desafios sociais da cidade.

Em entrevista concedida a Safira De La Sala, Fabio Redondo, gestor da rede hoteleira Buenas Hoteis, comenta sobre a experiência de sua rede hoteleira com o programa de hotéis sociais da Prefeitura de São Paulo para abrigar a população em situação de rua.

O envolvimento no ramo hoteleiro

“Eu sou a terceira geração da família trabalhando com hotelaria. Meu avô veio para o Brasil durante a Guerra Civil Espanhola. Lá, ele já trabalhava em hotéis. Aqui, virou sócio do Cambres e depois do Art Palácio, na Cinelândia (Largo do Paiçandu).

A partir da década de 1990, meu avô e meu pai começaram a adquirir hotéis menores, sempre no centro da cidade. Eles diziam que o centro da cidade é onde tudo acontece, principalmente para o turismo.

Eu trabalhei para consolidar todos os hotéis em uma rede, a Buenas Hotéis. Temos cerca de 600 apartamentos e atendemos quase duas mil pessoas. E bem, aí veio a pandemia.”

A chegada da pandemia

“As coisas estavam bem difíceis. A gente teve uma questão que foi a desapropriação do Plaza (antigo Art Palácio) pela Prefeitura. O Plaza começou a ser utilizado como hotel social e, na pandemia, abriram as licitações para a iniciativa privada oferecer vagas.

Nessa época, a Prefeitura começou a buscar intensamente opções de acolhimento porque, com a pandemia, tinha muita gente que estava perdendo emprego, renda, e estava indo para a rua, ao mesmo tempo que havia uma preocupação especial com grupos mais vulneráveis à Covid-19.

Esse foi justamente o objetivo da primeira licitação logo no início da pandemia: retirar os idosos dos albergues coletivos, devido às exigências sanitárias de isolamento.

O edital exigia capacidade de abrigo mínimo para 50 idosos, incluindo também, pelo menos, café da manhã e jantar. De início, a adesão foi baixa. Pela novidade da proposta e da pandemia em si, que ninguém sabia quanto iria durar, o mercado hoteleiro foi reticente à proposta.”

De hotel a hotel social

“Uma outra rede hoteleira do centro de São Paulo se inscreveu no edital, foi selecionada e acabou acolhendo 50 idosos. Com a extensão da pandemia, os negócios começaram a ser grandemente prejudicados, sendo que, na segunda onda, vários hotéis já estavam próximos da falência.

Ao mesmo tempo, sabendo da experiência da outra rede, resolvemos nos candidatar para sermos hotéis sociais também. Ganhamos dois contratos para atender 50 idosos, a rede parceira atendeu outros 150, e assim, de repente, estávamos atendendo 250 pessoas vulneráveis. Com a experiência, seguimos expandindo, e hoje já são centenas de atendidos.”

Os principais desafios

“Era um tipo de serviço absolutamente inovador, totalmente desconhecido para nós. Nem o empreendedor e nem a Prefeitura tinham certeza de qual a melhor modelagem para a parceria. Foi um processo de co-criação.

Por exemplo, hoje sabemos que o mais eficiente é fazer a parceria de hotéis inteiros, separados por grupos de interesse, como idosos, gênero ou famílias, pois alguns públicos se mostraram difíceis de compatibilizar com o dia a dia do hotel.

Também aprendemos que é melhor ter quartos individuais (em oposição ao modelo de albergues, por exemplo), pois evita conflitos, apesar de nem sempre ser possível. Isto é algo que tínhamos muito receio no começo.

Entretanto, os incidentes que tivemos foram de furtos, como lâmpadas e mangueiras dos hidrantes. Aí, por meio das câmeras de segurança, averiguamos quem eram os responsáveis, que foram removidos do programa. Como esses danos todos são arcados pelo hotel, temos que ter cuidado.”

A administração dos hotéis para população em situação de rua

“O hotel não presta mais serviços de hotelaria. O gerenciamento é feito por ONGs e associações habilitadas; todos os acolhimentos têm assistência social e psicológica. A nós cabe a hospedagem e a alimentação.

Uma vez por semana, há serviço das camareiras, que limpam as habitações e trocam roupa de cama, que é do hotel. A lavagem das roupas individuais é feita independemente e administrada pelas ONGs parceiras.

É fundamental que os atendidos tenham autonomia para administrar suas coisas e o dia a dia. É um passo fundamental para a reinserção social.”

Afinal…

“No começo foi para salvar o hotel, depois começou a se tornar um negócio. Conforme se ajustaram os valores, ficou realmente interessante.

É difícil convencer as pessoas a disponibilizarem seu estabelecimento para essa questão. Conhecer as experiências e desmistificar é um caminho seguro para conseguirmos fortalecer laços entre o público e o privado para as grandes questões da sociedade.”

Safira De La Sala é Coordenadora Adjunta do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper.

Fábio Redondo é Gestor e Diretor de Marketing da Rede Hoteleira Buenas Hotéis.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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