Fluxos em movimento: o êxodo paulistano e os novos ritmos urbanos

24 de julho de 2025

Pela primeira vez desde 1991, a capital paulista perdeu habitantes: entre 2019 e 2023, houve um saldo negativo de 80 mil pessoas em São Paulo, que atingiu 11,5 milhões em 2019 e recuou para cerca de 11,42 milhões até 2023. Um fenômeno discreto, mas carregado de significado urbano.

O episódio não é apenas demográfico. Revela uma nova dinâmica: pessoas priorizando qualidade de vida, espaço e bem-estar, mesmo em detrimento de oportunidades econômicas, como sugere a própria Folha.

Historicamente, São Paulo concentrou fluxos migratórios internos: nordestinos, sudestinos e até paulistas do interior vindos pelo ciclo do café e da indústria. Agora, esses fluxos se reequilibram: há movimento de volta para cidades médias, capitais regionais e litoral, e fluxos dentro da metrópole, de áreas saturadas para subcentros mais acolhedores.

Se a história urbana era expansão e densificação a qualquer custo, hoje ela se define por redistribuição e recalibragem. O teletrabalho é pivô: permitiu que famílias se distanciassem de ZEIs tensas, educativos caros e metrôs lotados, recalculando a equação custo-benefício urbano.

Para quem faz urbanismo no dia a dia, a lição é prática:

  1. 1) Foco na experiência habitacional: além de metrô e ônibus, que tal recuperar parques urbanos, calçadas, mobiliário e sombra? Se a cidade não entrega isso para que fiquem, ela entrega os seus moradores.
  2. 2) Atenção à diversificação de zonas: não adianta ter subcentros “muito semelhantes”. Abrir portas para comércio de proximidade, equipamentos culturais e usos mistos garante fluxo constante — e reduz o desejo de sair.
  3. 3) Integração metropolitana efetiva: a mobilidade não termina na divisa municipal. O que atrai é a qualidade de vida combinada com acesso fluido a serviços e a outros centros.

Chama atenção que essa febre por cidades médias também impulsiona a conurbação entre regiões. O eixo São Paulo–Campinas, por exemplo, já forma uma macrometrópole funcional, com orbital, linhas expressas, crescimento de valor imobiliário e habitação dispersa. O desafio urbano agora é: como capturar esse fluxo sem dispersar a experiência urbana?

O êxodo paulistano tem potencial de transformação – uma chance de reequilibrar a megalópole e suas vizinhanças. Não é sobre frear o fluxo, mas gerenciá-lo com inteligência: replicando qualidade de vida, reduzindo tensões, valorizando centralidades multifuncionais e, essencialmente, entregando boas cidades onde as pessoas escolhem ficar (ou voltar).

No final, o que faz alguém escolher ficar na cidade não é crescimento econômico, é crescimento humano. É essa medida que o urbanismo precisa recuperar.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e urbanista, especialista em Gestão de Projetos e mestre em arquitetura pela UFRN. Atualmente é sócia da PSA Arquitetura em São Paulo (www.psa.arq.be) e da PROA Brasil (www.proabrasil.com), em Natal-RN.
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