Falar de Curitiba, ouvir o mundo – caminhos possíveis para uma “pedagogia urbana”
19 de dezembro de 2025Conhecer a história da cidade e das pessoas. Caminhar pelas ruas do bairro, fotografar, desenhar, olhar com curiosidade. Formar jovens para cuidar das cidades. Esses são alguns pontos de uma lista escrita por Jaime Lerner em 25 de dezembro de 2014. A data chama atenção: seria uma lista de desejos de Natal? Uma carta para o futuro? Talvez um lembrete de que construir cidades melhores começa com gestos simples e cotidianos.

O Jaime sempre fez questão de manter as portas abertas — do escritório, da sua casa, da conversa. Quem chega aqui percebe rapidamente que é um lugar especial, cheio de histórias. Nossa sede foi projetada por ele ainda nos anos 1960 para ser a casa da família. É um lugar que carrega memórias, inovação e afeto. Tudo se conecta. Não existe arquitetura da casa sem a história do Jaime. Não existe falar do Jaime sem falar de Curitiba. E, arriscamos dizer, é impossível contar a história de Curitiba sem falar do Jaime.
A antiga casa da família Lerner, hoje sede do Instituto, sempre recebeu curiosos, estudantes, citadinos apaixonados. Em 2024, percebemos que havia muita gente interessada em visitar a casa, mas sem saber como chegar até nós. Inspirados pelas visitas à Casa de Lina Bo Bardi, em São Paulo, criamos um programa de visitas guiadas — simples na origem, gratificante nos desdobramentos. O resultado nos surpreendeu: as vagas sempre esgotam em minutos e a repercussão tem sido contagiante.
Em dois anos, recebemos mais de 1.700 pessoas. É um número que emociona, mas mais do que isso, é um fluxo constante de troca. Cada pessoa que nos visitou ouviu histórias sobre Curitiba, sobre o Jaime e sua equipe, e levou consigo um pouco do nosso olhar positivo sobre as cidades. Afinal, a experiência não termina nos portões da casa: ela sai caminhando por aí, atravessa fronteiras e sotaques. O legado, quando compartilhado, ganha o mundo. Este ano recebemos visitantes do Japão, Áustria, Itália, Angola, Portugal e Coreia do Sul. Além disso, recebemos também algumas visitas especiais, como a do Charles Landry, do Carlos Moreno e do Caos Planejado!
As visitas guiadas nos transformam também porque, além de falar e compartilhar, nós também ouvimos. Escutamos lembranças de quem viveu outras Curitiba(s), de quem viu o Jaime como prefeito, como governador, como figura presente nas ruas, nos cinemas, nos teatros, na Rua XV. Escutamos também relatos de outras cidades, outras lógicas urbanas. Cada memória acrescenta nuance ao nosso olhar e nos lembra que a história de uma cidade nunca é única, é sempre polifônica. É como a famosa frase de Tolstói: “Se queres ser universal, começa por pintar a sua aldeia”. E a trajetória do Jaime trata muito disso: de pensar a cidade a partir de conceitos, e não de modelos prontos replicáveis.
Nosso objetivo inicial com as visitas era simples: manter vivo esse legado, especialmente para as novas gerações. Mas descobrimos que quando abrimos espaço para que as pessoas compartilhem suas próprias narrativas, nós ampliamos e enriquecemos o que contamos. Crescemos juntos.
É inspirador observar os olhos que brilham ao final de cada encontro. Mostramos que a cidade não é problema: é solução. Volta a ser possibilidade. Volta a ser sonho. E, no fundo, percebemos que esse movimento de compartilhar e olhar de forma mais gentil para a cidade é uma ótima tradução daquela lista escrita pelo Jaime em um 25 de dezembro. Ele sabia que manter viva a memória é também projetar o futuro.
Encerramos este ciclo de textos de 2025 com a certeza de que conhecimento não é algo que se guarda: é algo que se passa adiante. Seguimos, então, compartilhando com o mundo tudo aquilo que aprendemos com o nosso mestre, cultivando cidades mais humanas, mais curiosas e mais vivas. Seguimos abertos, como sempre, para os próximos capítulos.
Marina Sutile de Lima
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.