Espera só mais um pouquinho…

19 de junho de 2025

O Caos Planejado é uma biblioteca digital (talvez uma das mais completas do país), mas é também um veículo de mídia moderna com um conjunto de publicações e colunistas, que tem uma curadoria de primeira por seu editor, Anthony Ling. Há ainda uma faceta menos conhecida, o grupo privado de mensagens onde informações relevantes transitam e debates riquíssimos acontecem.

Um desses debates tratava das fachadas ativas, a partir de uma entrevista da Secretária de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo, Elisabete França, ao jornal Metro Quadrado:

Outro problema do Plano Diretor são as fachadas ativas, que acabam sendo mal feitas e tirando o comércio local. Há algo a ser feito sobre isso?

A culpa disso não é da Prefeitura, mas sim do Plano Diretor de 2014, que disse que a construtora que fizer a fachada ativa com a Lei de 2016 terá vantagens construtivas. Mas a vida não funciona assim. O comerciante não vai para essa fachada ativa por conta do valor, mas nós também não perguntamos para o mercado de fachada ativa se tem comércio para ocupar essas lojas. Sabe a lei com boas intenções que não funciona como a lei há de funcionar? O comércio pequeno não está usando, e tem as grandes redes que se reproduzem à exaustão. Nós estamos fazendo alguns estudos para ver como isso pode ser melhorado, para o Plano Diretor de 2029. Nós temos dois anos para fazer monitoramento e avaliação de resultados, para evitar ideias brilhantes que na realidade não funcionam.”

Cada um tem direito a sua opinião, claro, mas pense o seguinte: em São Paulo, as fachadas ativas voltaram a ter previsão legal em 2014 e foram regulamentadas em 2016. Considerando o tempo entre captar um terreno, elaborar e aprovar o projeto, lançar, vender e construir… começamos a ver as lojas de rua novamente por volta em 2017, 2018. Para 2025 são apenas 7 ou 8 anos, dos quais 3 foram de pandemia e 2 de mau humor e piora a olhos vistos na economia.

Em se tratando de cidades, não lhe parece pouco tempo para que seja possível qualquer conclusão? Ou uma conclusão madura e consistente o bastante para uma mudança na legislação e nos rumos de uma cidade? E se formos considerar que as fachadas ativas construídas no alinhamento estão aí, amplamente usadas e testadas mundo afora, cantadas em verso e prosa por Jane Jacobs e celebradas nas calçadas de Paris, Tóquio, Barcelona, Buenos Aires e Nova Iorque? O que não funciona? O que há para “evoluir”?

Mas a pergunta realmente importante é: o que o poder público tem a ver com isso? O que importa ao poder público se há muitas lojas vazias, se o valor do aluguel cai ou se os investidores e empreendedores estão perdendo dinheiro?

Não adianta dizer que “quarteirões cheios de lojas vazias são ruins”, quando o que se tinha antes eram muros altos e estacionamentos no térreo, nos recuos dos prédios ou atrás dos muros. A longo prazo, ter fachadas ativas sempre será melhor do que muros e estacionamentos, e um – eventual – excesso de oferta é uma das principais ferramentas para contenção no valor dos aluguéis, assim como para o surgimento de novos negócios.

Em Nova York, onde o Airbnb enfrenta restrições fortíssimas desde 2023, as diárias de hotel e os valores de aluguel continuaram a subir, mesmo quando unidades voltaram para o mercado, mostrando que a diferença entre a oferta e a demanda é o que realmente importa.

Como bem observa Alain Bertaud, cabe ao poder público concentrar-se na gestão dos espaços públicos — e não nos empreendimentos privados —, priorizando parques, praças, transporte coletivo, infraestrutura urbana, educação, saúde e lazer.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR e fundador do INSTITUTO CALÇADA. Acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou. ([email protected])
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