A recente polêmica do conjunto habitacional de Diadema me fez lembrar de transformações observadas ao longo do tempo em conjuntos habitacionais do Projeto Cingapura, em São Paulo.
Na Vila Leopoldina (Zona Oeste), conforme denunciado já em 2016 em matéria do G1, áreas do condomínio de moradia popular inaugurado na década de 1990 foram ocupadas irregularmente. Na imagem abaixo, nota-se inclusive o surgimento de pequenos comércios na Avenida José César de Oliveira, como o Bar Toca do Peixe e o Boteco do Rali.
Destino semelhante teve uma área do condomínio localizado na Avenida Zaki Narchi, na Vila Guilherme (Zona Norte), ocupada por um restaurante.

Essas imagens contrastam com a atual situação dos espaços para lojas no térreo dos prédios (as chamadas fachadas ativas) estimulados pelo Plano Diretor Estratégico da cidade: um levantamento recentemente realizado pela Associação Comercial de São Paulo revelou que até 80% desses espaços estão vazios em certas regiões.
Para além das críticas relacionadas à desordem ou falta fiscalização que dominaram o debate sobre o conjunto habitacional de Diadema, tanto aquele caso quanto o contraste entre os espaços para lojas vazios e áreas condominiais ocupadas irregularmente por lojas parecem revelar, na verdade, uma grave falha do planejamento urbano e da política habitacional: não levar em consideração as necessidades das pessoas e a própria dinâmica do mercado.
O sucesso das atividades comerciais, afinal, depende de fatores como a qualidade do projeto arquitetônico, o perfil da vizinhança, densidade demográfica, fluxo de pessoas, dinâmica dos deslocamentos (automóvel, transporte público, a pé) e potencial de consumo do entorno.
Ao simplesmente dar incentivos construtivos a espaços para lojas no térreo, o que temos visto é a proliferação desses elementos nos eixos de transporte público, sendo que muitos deles parecem ter sido construídos como simples resultado da maximização do potencial construtivo dos empreendimentos, sem levar em consideração todas essas variáveis. Consequência: um excesso de oferta de espaços, quadro agravado pela rigidez dos preços de venda e locação.
Os conjuntos habitacionais do Projeto Cingapura, por sua vez, foram construídos sem espaço para comércio no térreo. No caso particular do condomínio da Vila Guilherme, Luiz Eduardo Peixoto analisou em artigo aqui no Caos Planejado “o quão dissociado do ambiente urbano é o conjunto de edifícios”, “distantes do centro do próprio bairro da zona norte, separados pelo gigantesco complexo de eventos Expo Center Norte”.
Em um condomínio isolado do seu entorno, a busca dos moradores por renda somada à demanda por determinados serviços resultou não apenas em ocupação irregular de áreas “livres”, conforme mostra a imagem, como também em uma série de food trucks estacionados em frente ao conjunto de prédios.
Não se trata aqui de simplesmente justificar ocupações irregulares, mas de apresentar exemplos que apontam para a necessidade de aprimoramento constante do planejamento urbano.
A cidade é dinâmica, de forma que as regras de uso e ocupação deveriam ser mais flexíveis, tanto para ajustar incentivos quando eles não estão gerando os resultados desejados (como parece ser o caso das fachadas ativas de fachada), como também para criar incentivos, por exemplo, para a ocupação formal de térreos sem vida, mas com potencial para atividades comerciais (como no caso dos conjuntos habitacionais citados e de tantos outros condomínios espalhados pela cidade).
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.