Don’t stand so close to me (The Police)
Em um dos meus levantamentos de campo, sentei-me numa longa mureta de jardim, dessas que servem de banco, para fazer anotações. Havia por ali algumas pessoas em pé, mas não tinha mais ninguém sentado. Daí a um tempo, um homem se aproximou e se sentou exatamente ao meu lado. Havia metros de mureta para ele escolher, e ele escolheu se sentar justamente nos centímetros mais próximos a mim. Fiquei automaticamente incomodada e me levantei para ir a outro lugar.
Aquele homem invadiu o meu espaço pessoal.
De acordo com o psicólogo Robert Sommer, em seu maravilhoso livro de mesmo nome, “o espaço pessoal refere-se a uma área com limites invisíveis que cercam o corpo da pessoa, e na qual os estranhos não podem entrar”. E ele diz que “a melhor maneira para conhecer as fronteiras invisíveis é continuar andando até que alguém reclame”.
Já aconteceu com você, imagino, ter que dar um passo para trás quando a pessoa com quem você está conversando se aproxima demais, ficando a uma distância incômoda. Isso é você tentando restabelecer seu espaço pessoal (infelizmente, na maioria das vezes, a pessoa não se toca, e dá um passo pra frente…).
Quando eu me levantei da mureta, era isso que estava buscando: restabelecer meu espaço pessoal. Mas eu não faria isso se fosse carnaval, a mureta estivesse cheia de gente e os únicos centímetros livres fossem os do meu lado. Ou se a mureta estivesse sob o sol inclemente, e os centímetros do meu lado fossem os únicos que ainda estavam na sombra. Podemos ser mais tolerantes com a invasão de acordo com o contexto e as condições do ambiente.
Se você e a pessoa com a qual está conversando estivessem numa festa, num comício, em algum local com muito ruído, por exemplo, você seria tolerante com a distância incômoda: ela seria necessária para vocês se fazerem ouvir.
Percebemos o ambiente antes de nos posicionarmos, e aceitamos as condições de comportamento espacial que certas situações trazem. Num ônibus, a menos que você conheça a pessoa que já está sentada, você vai escolher uma cadeira vazia para se sentar, se houver. Se não houver, é provável que você diga um “com licença”, antes de se sentar, como uma forma educada de reconhecer que o banco não é dela, mas ela chegou primeiro. Se todas as cadeiras estiverem ocupadas e o ônibus estiver cheio, você vai ficar em pé, agarrar-se em algum lugar e, provavelmente, evitar olhar as pessoas nos olhos (ou só olhar para elas quando elas não estiverem olhando).
Por que isso? Porque em ambientes assim, fechados, a gente evita olhar as pessoas nos olhos: em respeito ao seu espaço pessoal e como forma de preservar o nosso. Já percebeu que em elevadores com desconhecidos, geralmente só as crianças ficam olhando para a gente? Você lá, olhando para o além, esperando chegar o seu andar, e a criança lhe encarando, curiosa, às vezes até perguntando para a pessoa adulta ao seu lado, em voz alta (claro), algo diretamente relacionado a você. A pessoa adulta, por sua vez, morre de vergonha e até pede desculpas pela criança. Mas a gente mais acha divertido que se importa: ela ainda não aprendeu a respeitar o espaço pessoal dos outros.
Já falamos aqui nesta coluna que um bom espaço público deve favorecer encontros e esquivanças, deve permitir que indivíduos e grupos se sintam à vontade para nele se demorar. Isso significa saber que as pessoas vão querer ter seu espaço pessoal preservado. A oferta de locais para permanecer, sua variedade, quantidade, posição e dimensionamento tem tudo a ver com isso.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.