Escutem os especialistas

7 de junho de 2024

Há pessoas que passam a vida estudando os impactos da ação humana sobre a natureza. Dá pra prestar atenção nelas?

A arquitetura impacta o meio ambiente. Havia um meio natural, que foi alterado para que nele se fizesse uma cidade. Ruas, prédios, abastecimento, atividades, transporte… impactam o solo, o relevo, a flora, a fauna, os corpos d’água, o ar.

Eu adoro assistir ao programa Largados e Pelados, do canal Discovery, sempre me perguntando o que move aquelas pessoas a participarem dele. São pessoas sem os recursos de que dispomos no mundo atual – nem sequer roupas – vivendo por três semanas em locais que podem variar de uma savana a uma praia. Para se abrigarem, para comerem, para se manterem vivas, contam apenas com o que podem obter a partir do meio natural em que se encontram. Buscam um local propício para se estabelecerem, usam galhos, pedras, folhas… e é basicamente isso. Uma mínima interferência, mas uma interferência.

A gente interfere. E a gente interfere mais quanto mais tempo passa num lugar. A gente quer adequá-lo às nossas necessidades, às nossas vontades, aos nossos descendentes. A gente interfere mais ainda quanto mais numerosos somos.

Não é como se fôssemos invasores neste planeta. Ele é nossa casa. Nossa espécie surgiu, evoluiu e se multiplicou aqui. Há mais de dez mil anos, começamos a fixar morada na Terra, fazendo cidades, mas, a despeito de todo o desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade, ainda hoje repetimos erros. Ainda hoje ignoramos o conhecimento produzido para aprimorar nossa interferência, o conhecimento que nos permitiria impactar menos a natureza, e nos pode prevenir dos impactos que a natureza, por nós impactada, inevitavelmente nos trará.

Eu não sei verdadeiramente nada sobre impactos da arquitetura na natureza. Isso me deixou duplamente impotente frente à tragédia do Rio Grande do Sul. Primeiro, porque, daqui de Brasília, não posso fazer muito mais que enviar doações. Segundo, porque, daqui desta coluna, eu não tenho nenhuma palavra que possa contribuir para o entendimento ou reflexão futura sobre as enchentes. Essa não foi minha vertente de estudo no campo da arquitetura.

Eu estudo o impacto da arquitetura nas pessoas e, mesmo assim, impacto restrito a poucos aspectos, dentre eles o sociológico. Eu me especializei em saber como a arquitetura pode favorecer a presença de pessoas, passando e permanecendo, e como desenhar lugares propícios à vida pública. Claro que ainda há muita coisa para se saber nesse aspecto, mas há anos leio, pesquiso, dialogo com gente da área, faço levantamento de campo, converso com as pessoas, observo, conto, comparo. Dá pra imaginar como fico desanimada ao ver surgir uma “praça” que tem todos as características de um espaço público que não vai dar certo, ou um edifício hostil que vai ampliar a sensação de insegurança de uma rua, ou um bairro segregador, cujo traçado viário vai piorar toda a mobilidade na região. Dá vontade de dizer para o responsável por isso: “Alô, deixa eu lhe ajudar, não jogue dinheiro fora, não gaste energia à toa, vamos melhorar esta cidade! Olha aqui tudo o que já se estudou sobre esse assunto. Não ignore, use!”

Há muitas pessoas e instituições que se dedicam a estudar os impactos da ação humana sobre a natureza. Que divulgam suas investigações, seus experimentos, suas alternativas. Que colhem bons exemplos e os dão a conhecer, demonstrando sua adaptabilidade para a realidade brasileira. Que usam fontes confiáveis, que debatem sobre as evidências, que consideram e testam mais de uma hipótese, que são imparciais, que medem, quantificam, que desconfiam de suas próprias conclusões e que têm suas pesquisas avaliadas pelos pares.

Precisamos ouvi-las.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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