No 3º Encontro Cidades Responsivas, promovido pelo Instituto Cidades Responsivas, a palestra de Washington Fajardo trouxe uma imagem provocadora: Coruscant, o planeta fictício de Star Wars, totalmente urbanizado, coberto por uma única cidade que se estende por toda a sua superfície. Um horizonte infinito de construções e arranha-céus interconectados, com funções diversas e camadas de vida urbana que se sobrepõem verticalmente.
Fajardo não propunha que transformássemos a Terra em Coruscant, mas a metáfora é poderosa. Em tempos de crises habitacionais, mudanças climáticas e pressões por eficiência urbana, imaginar cidades mais compactas, integradas e verticalizadas não é ficção científica: é um exercício de planejamento.
Essa visão dialoga diretamente com os estudos de Antony Wood, ex-presidente do Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH), cuja pesquisa de doutorado explorou os aspectos multidisciplinares das conexões skybridge entre edifícios altos. Wood mapeou definições, tipologias e aplicações urbanas dessas passarelas áreas, destacando como elas podem formar redes de mobilidade acima do nível da rua. Edifícios híbridos, que articulam habitação, trabalho, comércio e lazer em um só organismo vertical, funcionam como ecossistemas completos, podendo estar interligados por passarelas suspensas que transformam o ar em vida urbana.
Hong Kong já oferece um vislumbre dessa lógica: passarelas climatizadas ligam quarteirões inteiros, integrando shoppings, estações de metrô e edifícios corporativos. Chongqing, na China, vai além: devido ao relevo e à interligação entre passagens e pontes que cruzam arranha-céus, conectando diferentes frentes urbanas sobre rios e vales, você pode não saber qual é o nível do térreo, de fato. Nessas cidades, a vida urbana não se limita à rua – ela se distribui em múltiplas cotas, criando novas camadas de centralidade.
O potencial dessa abordagem é significativo. Ao conectar edifícios e criar núcleos verticais multifuncionais, reduz-se a necessidade de deslocamentos longos. No entanto, como lembra Fajardo, “não se pode esquecer do térreo”. A cidade humana começa na rua, e qualquer estratégia de verticalização precisa preservar sua vitalidade, diversidade e permeabilidade.
Aqui vale uma analogia final. Ao observarmos cidades por imagens de satélite, ou no próprio Google Earth, elas se assemelham a colônias de fungos. E a lógica de contenção de fungos na natureza – evitar que se espalhem indiscriminadamente – aplica-se de forma surpreendente ao urbanismo. Quando deixamos a cidade crescer horizontalmente sem limites, consumimos território, elevamos a dependência do automóvel e aumentamos os custos de infraestrutura. Em contrapartida, conter a expansão, adensar e compactar cria cidades mais eficientes, com menor emissão de carbono e preservação de áreas naturais.
Nesse sentido, edifícios altos híbridos e conectados entre si talvez sejam, no século 21, uma das chaves para transformar as megalópoles em sistemas mais sustentáveis e resilientes. São infraestruturas de vida urbana que permitem que a cidade cresça para cima e para dentro, não apenas para fora. O desafio, claro, não é apenas técnico ou arquitetônico, mas cultural e político: precisamos aceitar que o futuro pode estar menos nas avenidas sem fim e mais nas redes verticais interligadas – cidades onde se sobe e se atravessa tanto quanto se anda.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.