Emancipações: o direito urbanístico aplicado ao caso de Pinto Bandeira/RS

3 de outubro de 2023

A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, conhecida como “constituição cidadã”, estabeleceu direitos fundamentais de liberdades de expressão e religiosa, entre outros. Essa norma se tornou o símbolo do processo de redemocratização nacional após duas décadas de Regime Militar. Ainda, representou um marco para a atual configuração do território nacional, por atribuir aos municípios um papel de protagonismo na política urbana.

Foi a partir da Constituição que o requisito para a criação de novos municípios passou a ser de um plebiscito favorável da população do município-mãe e do município-filho: o processo simplificou — e intensificou ± a divisão territorial das cidades por meio da autonomia na tomada de decisões, enfatizada pela gestão descentralizada do território, e da possibilidade de aumento de repasses públicos.

O Brasil possui 5570 municípios, sendo 497 deles no Rio Grande do Sul.

Como era de se esperar, alguns dos municípios emancipados encontraram dificuldades no que compete à gestão do seu território. Ausência de quadro técnico qualificado e dependência de recursos passados por transferências intergovernamentais, dada a sua baixa arrecadação, foram alguns dos agravantes.

Para além disso, houve também entraves políticos e jurídicos: este foi o caso da cidade de Pinto Bandeira, localizada na região metropolitana da serra gaúcha, geograficamente situada entre os vales dos rios Burati e das Antas.

O Município de Pinto Bandeira possui, hoje, 104,801 km2 de área. Pelo Censo de 2010, a cidade contava com 965 domicílios, sendo que 249 compunham o núcleo urbano. Em 2019, o IBGE mapeou 3.003 habitantes no território. Já o Censo de 2022 indicou uma população efetiva de 2.723 habitantes, decréscimo de 9% em comparação a 2019, e 1267 domicílios recenseados — ainda sem indicação de núcleo urbano ou rural.

O distrito de Pinto Bandeira foi emancipado de Bento Gonçalves em 16 de abril de 1996 pela Lei Estadual no 10.749/1996, tendo os movimentos pró-emancipação começado em 1994. As primeiras eleições ocorreram em 1.° de outubro de 2000 e a instalação do Município deu-se em 1.º de janeiro de 2001.

Apesar da adequação à legislação Estadual, a Lei 11.375/1999 foi promulgada após a EC 15/1996, que exigiu a elaboração de estudo de viabilidade municipal, conforme regulamentação por lei federal. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu a criação de municípios enquanto não fosse aprovada a lei: o que levou à extinção do Município, em caráter liminar, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2003.

Solidário à situação de Pinto Bandeira, e de diversos outros Municípios brasileiros que enfrentavam questionamentos quanto ao seu processo de emancipação, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM) da época convocou o movimento municipalista a buscar uma solução jurídica para o problema.

O que foi concretizado na forma da Emenda Constitucional 57, que convalidou as criações de municípios com lei publicada até 31 de dezembro de 2006, atendeu aos requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época da criação. Outros 29 municípios mapeados pela Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (FAMURS) poderiam sofrer o mesmo revés.

No dia 30 de junho de 2010, também por decisão do STF, a localidade recuperou a autonomia política. As eleições municipais aconteceram em 7 de outubro de 2012 e em 1.º de janeiro de 2013, o Município de Pinto Bandeira foi reinstalado.

Depois de quase uma década, o STF decidiu, a partir de uma ação movida pela Procuradoria Geral da República (PGR), que o município de Pinto Bandeira deveria voltar a ser um distrito de Bento Gonçalves novamente. Por óbvio, a notícia mexeu com os ânimos dos munícipes, que reverberam o entendimento de que Pinto Bandeira nunca deixou de ser uma cidade. A batalha judicial teve fim apenas em setembro de 2021: emancipada, sim!

A pensar: a descentralização do poder entrega protagonismo à cidade perante o seu território, que entende onde a alocação de recursos é prioritária em prol da sua população. Por outro lado, há tendência de decréscimo populacional em municípios pequenos, o que prejudica ainda mais a sua capacidade de arrecadação e sustento. Qual seria o limite tangível entre a expectativa e a realidade?

Coluna de autoria de Ellen Renata Bernardi.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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