É senso comum afirmar que edifícios altos aquecem as cidades, criam ilhas de calor, bloqueiam a ventilação natural e tornam as ruas desagradáveis nos meses mais quentes.
Mas será mesmo?
A experiência recente da City of London oferece uma resposta contraintuitiva. Com diretrizes pioneiras de conforto térmico urbano, o planejamento londrino passou a utilizar modelagens sazonais que combinam vento, radiação solar, temperatura e umidade para avaliar, com precisão, como as pessoas realmente sentem o clima nas ruas, praças e parques.
Os resultados surpreendem – em verões cada vez mais quentes, os edifícios altos, muitas vezes apontados como vilões climáticos, podem desempenhar um papel crucial no resfriamento dos espaços públicos.
Mapas térmicos elaborados para o centro financeiro de Londres revelam uma nuance importante. Áreas que, no inverno, são consideradas desconfortáveis por conta do sombreamento e da intensificação do vento tornam-se zonas de alívio térmico no verão. A sombra projetada pelas edificações e a movimentação de ar gerada pela forma e disposição das edificações criam microclimas mais agradáveis justamente quando o calor atinge níveis extremos. O que era “hostil” em dezembro vira refúgio em julho.
Esse paradoxo convida a repensar a maneira como avaliamos a verticalização. A ideia de que a altura gera calor é sustentada por análises simplificadas, que desconsideram a complexidade dos fatores microclimáticos. A metodologia adotada em Londres rompe com essa lógica ao incorporar o conceito térmico – o “feels like” da cidade – e considerar a interação entre múltiplos elementos ambientais. Mais do que um índice, trata-se de um novo paradigma, em que o planejamento urbano parte da experiência sensível dos corpos em movimento.
Os estudos não servem apenas para fins técnicos, mas informam decisões práticas de desenho urbano. Eles ajudam a definir onde posicionar cafés, onde criar áreas de sombra e descanso, como organizar o mobiliário urbano, onde instalar jardins elevados ou quais vias podem abrigar mercados de rua. A geometria dos edifícios deixa de ser uma consequência mecânica dos índices urbanísticos e passa a atuar como instrumento ativo para o conforto climático das pessoas.
E o que isso nos ensina sobre as cidades brasileiras?
Em locais como Cuiabá, Teresina ou mesmo São Paulo, onde o calor urbano é intenso e crescente, a verticalização qualificada pode se tornar uma aliada do conforto térmico. Quando orientados por dados microclimáticos e diretrizes de desempenho, os edifícios altos podem sombrear calçadas, criar corredores de vento e suavizar a temperatura das ruas. O problema, portanto, não está na altura, mas na ausência de planejamento adequado para lidar com ela.
A crítica genérica à verticalização perde a oportunidade de qualificar o debate. Edifícios altos podem sim melhorar o ambiente urbano, desde que concebidos a partir de uma lógica que respeite o clima, o contexto e o cotidiano das pessoas.
Novamente trago à tona este assunto: o caminho está em abandonar fórmulas rígidas, com recuos padronizados e gabaritos genéricos, e adotar abordagens mais inteligentes, capazes de desenhar sombra quando necessário e garantir sol onde for desejado.
As ilhas de calor não são causadas por edifícios altos, mas por más decisões urbanísticas.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.