Proveniente de um concurso de arquitetura fechado patrocinado pelo Circolo Italiano, em 1953 nascia das pranchetas um dos arranha-céus mais emblemáticos de São Paulo, o Edifício Itália. A intenção da competição era, além de fazer a sede do clube italiano, dar à cidade um marco monumental que representasse o período de crescimento que a capital vivia.
Três arquitetos estrangeiros foram escolhidos para projetar. Dentre eles, o alemão Franz Heep saiu como vencedor ao interpretar questões pontuais da legislação urbanística da época: uma torre de 46 pavimentos e 165 m de altura tira partido da sua condição de estar situado em um terreno em formato de losango entre as avenidas Ipiranga e São Luís.
Com 52.000 m² de área construída e um coeficiente de aproveitamento de 22 vezes em relação ao tamanho do terreno, o Edifício Itália, concluído em 1966, levou a fama de edificação mais alta do país. Mérito perdido no ano seguinte com a finalização do seu quase vizinho, Mirante do Vale, com 5 metros a mais.
Sua utilização, no corpo do edifício, é destinada para escritórios. No subsolo, há estacionamento e um teatro. No térreo, lojas em uma galeria e a base exclusivamente destinada à instituição Circolo Italiano. Na cobertura, a cereja do bolo, um restaurante panorâmico com vista 360° da capital paulista.
A condição tripartite de sua volumetria ajuda a compreender como o arranha-céu se contextualiza com o ambiente que está inserido.
A primeira parte, o embasamento do edifício ocupando todo o lote. Nela é onde se preserva a escala do pedestre, seguindo os alinhamentos que margeiam as avenidas. Para favorecer a conexão calçada e edificação, existe uma passagem entre as vias, formando uma galeria de lojas e acessos às demais áreas da edificação. Essa mescla de espaços público-privados permite compreender a relação com a rua, fazendo com que a via adentre a edificação.
Na segunda condição, em uma escala mais alta, o Edifício Itália se relaciona com as edificações vizinhas. Para isso, Franz Heep criou duas edificações menores juntos às divisas laterais do lote, ambas com oito pavimentos e também destinadas a escritórios. Essa altura condiz com o máximo permitido pela legislação, nessas condições de empenas, antes de precisar atender a lei de escalonamento, o que gera certo equilíbrio com os demais edifícios.
Já na terceira parte da composição, a torre de planta elíptica se ergue à altura máxima de 165 m, servindo como um ponto referencial na cidade. No contexto geral, é como se os dois “braços”, partes menores junto às divisas, servissem como plano de fundo ao protagonismo da volumetria no centro do embasamento, segundo Paulo Fujioka (2017).
No volume elíptico, há uma reinterpretação cultural, proposta por Heep. São os brise-soleil emoldurados nos vãos da grelha de concreto armado estrutural que compõem a fachada do edifício. Resultado semelhante ao encontrado nos brise-soleil do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro (atual Palácio de Capanema). Uma tradução das clássicas venezianas da casa tradicional brasileira para uma solução moderna ao edifício.
Ora, os brise-soleils remetem à mais genuína arquitetura moderna brasileira, referência anterior e fundamental. Por serem móveis, ora são uma alternativa para a proteção contra sol, ora uma opção de controle da ventilação natural da edificação. Modo mais eficaz em zonas de clima subtropical úmido, dentro das quais São Paulo se insere.
Por exemplo, durante o dia de verão, com todos os painéis fechados, protegendo contra a luz direta do sol. O design das frestas ajuda a canalizar o vento úmido, aumentando sua velocidade e refrescando as áreas internas. Ao longo da noite, com todas as peças dos brises abertas, maior circulação de ar ocasionando uma troca de calor da parte externa com a parte interna do edifício.
Notem que me referi nesse texto aos três princípios expostos na coluna anterior para uma nova visão do arranha-céu. Paradoxalmente, no Brasil, uma edificação da metade do século XX possui as três características que pesquisadores, hoje, acreditam ser o futuro da tipologia de edifícios altos. Ou seja, há 60 anos atrás já se produzia, aqui, o que viria a ser o ideal de uma edificação em altura nos dias de hoje. Um arranha-céu ligado a questões de contexto, cultura e meio ambiente relacionados e pertencendo à história do local, com caráter e identidade.
E por que não constroem mais arranha-céus como esse no Brasil? Porque não é mais permitido. Não pela altura, mas por sua escala no terreno. Não há Plano Diretor que permita construir um novo Edifício Itália nas cidades brasileiras.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.