Duas gerações de arranha-céus realmente brasileiros

21 de agosto de 2024

Há algumas colunas venho abordando a temática de uma possível identidade da arquitetura brasileira a ser referenciada nos novos edifícios altos construídos no país. Quando sou convidado para palestras, aulas e/ou entrevistas, no final sempre surge a pergunta: “qual é o arranha-céu realmente brasileiro, ou seja, qual seria o exemplo de arranha-céu com essas características de brasilidade?” 

Sem dúvida alguma, eu cito como exemplo o Edifício Itália, em São Paulo. Fruto de um concurso de arquitetura, a edificação de escritórios, com 46 pavimentos e 165 metros de altura, concluída há 58 anos, em 1966, possui as características que os estudiosos buscam para um arranha-céu do século 21. 

A condição tripartida da volumetria ajuda a compreender como o Ed. Itália se contextualiza no ambiente onde está inserido. O embasamento segue os alinhamentos edilícios que margeiam as avenidas e, para favorecer uma conexão público-privada, forma uma galeria de lojas e acesso às demais áreas da edificação. Em uma escala mais alta, o Edifício Itália se relaciona com os vizinhos a partir de duas volumetrias menores junto às divisas laterais. Já na terceira parte, a torre de planta elíptica ergue-se à altura máxima, servindo como um ponto referencial na cidade. 

A envoltória do volume elíptico por brise-soleil remete a uma reinterpretação cultural das clássicas venezianas da casa tradicional brasileira. Ademais, por serem móveis, ora são uma alternativa para a proteção contra o sol, ora uma opção de controle da ventilação natural da edificação. Modo mais eficaz em zonas de clima subtropical úmido, dentro das quais São Paulo se insere.

Motivos não faltam para elogiar e referenciar como exemplo o projeto do arquiteto alemão Franz Heep. 

Entretanto, logo após eu explicar as condições do Edifício Itália, vem a segunda pergunta ou a continuação da anterior: “e os arranha-céus de hoje, qual seria visto como exemplo?”

Por muito tempo foi difícil de responder essa questão, porém, hoje se pode afirmar que o recém ganhador do Prêmio Somos Cidade de Arquitetura Contemporânea, o AGE 360, em Curitiba, se apresenta com uma possível identidade contemporânea da arquitetura brasileira.

O arranha-céu curitibano de uso residencial, de 32 andares e 124 metros de altura, não é o mais alto, mas se destaca como se fosse, em meio a uma zona residencial de casas e edifícios mais baixos isolados em grandes terrenos, com um esbelto volume prismático esculpido nos últimos pavimentos. O prisma expressa a estrutura da edificação como um exoesqueleto, uma reinterpretação contemporânea do brutalismo brasileiro na mais pura essência do concreto aparente. Nos 21º e 22º pavimentos, áreas condominiais para contemplação da vista para a cidade, andares escolhidos por estudos de agradabilidade visual para o bem-estar dos usuários.

A torre do AGE 360 ocupa uma parcela do terreno e o restante, no térreo, é destinado às quadras esportivas, quiosques e jardins e uma pequena edificação de lojas voltada para uma das ruas onde o terreno faz frente. Em outras palavras, o arranha-céu curitibano é uma torre isolada no lote, repleta de recuos laterais em que o pavimento de conexão urbana é destinado às áreas condominiais cercadas para rua. Exatamente como as legislações urbanas dos últimos 60 induzem ao projeto e, consequentemente, a população se acostumou a viver nossas cidades.

Ambos arranha-céus apresentam arquiteturas excelentes, que pode se dizer representar a brasilidade tão falada em colunas por aqui. Cada um no seu modo e na sua época. Enquanto o Edifício Itália demonstra com relevância a geração de edifícios e da vida urbana daqueles tempos, o AGE 360 também demonstra com qualidade a geração de edificações e o modo atual de viver as cidades.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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