Pegando carona na onda positiva de interesses confluentes entre sociedade, mercado e poder público em torno da requalificação dos centros históricos de nossas cidades, trago um exemplo de restauro e requalificação de bem tombado em Madri com o intuito de nos aproximarmos de oportunidades ao redor de bens tombados em nossos centros urbanos. A intenção é, através dessa experiência estrangeira e, portanto, pouco usual aos nossos padrões culturais e de mercado, buscar alguma perspectiva de sensibilização e convencimento do nosso olhar para a construção de valor afetivo, ambiental, social e econômico sobre nosso patrimônio construído, especialmente nosso patrimônio histórico.
Em outras palavras, a pretensão deste relato é sensibilizar sobre formas interessantes e possíveis de nos relacionarmos com uma edificação tombada pelo patrimônio histórico, diferentemente da nossa “tradicional” maneira preconceituosa, conservadora, morosa e linear. Convido-os a um passeio pelo projeto Caixa Fórum, junto ao Paseo del Prado, em Madri, na Espanha, projetado pelo escritório Herzog & de Meuron em 2002, inaugurado em 2008 e reconhecido como Patrimônio da Humanidade em 2021.
A antiga Central Eléctrica de El Mediodía, construída nos anos 1900 com a finalidade de produzir energia elétrica a partir da combustão de carvão e fornecê-la a todo o setor sul da cidade velha de Madri, ocupava uma pequena quadra com aproximadamente 2.000 m². A Fundação “La Caixa” adquiriu o antigo edifício, fechado há muitos anos, e idealizou uma requalificação, transformando-o num centro cultural e museu, ao que deu o nome de Caixa Forum-Madrid, seguindo o exemplo de outras realizadas em Barcelona, Sevilha, Zaragoza, Palma, Girona. Agregando ao terreno um antigo posto de gasolina localizado no Paseo del Prado, criou-se a atual praça Caixa Fórum, que abre o edifício para a cidade, emoldurado pelo jardim vertical de Patrick Blanc proposto para a empena de um edifício vizinho.
A arquitetura preservou parcialmente as fachadas originais de tijolo maciço aparente e deu ao edifício uma aparência única, criando uma praça coberta sob sua volumetria, garantindo ao complexo edificado o efeito visual de um surpreendente edifício flutuante. É pesado, em decorrência de seus dois andares de tijolos, adicionados de mais dois de aço corten que propõem mimetizar o edifício ao skyline da região, mas, ao mesmo tempo, é leve por seu descolamento do chão e integração com a calçada.
A inserção do museu na cidade traz, dignamente, para o pedestre, uma rica experiência promovida pelo desafio à lei da gravidade, confrontando o pesado e o leve, o cheio e vazio, e, ao mesmo tempo, pelo respeito ao passado e ao futuro, à memória e à inovação. Enfim… vejam a situação: um edifício do início do século 20, reformulado em pleno século 21, capaz de trazer um potente sentimento de surpresa para aqueles que de repente se deparam com algo bastante inusitado ao longo das largas avenidas de Madri, digno das melhores referências medievais. Em outras palavras, um belo e sofisticado exemplo de apropriação de ferramentas de desenho urbano que aproximam a prazerosa sensação de acolhimento e encantamento do transeunte pelas ruas e vielas das cidades medievais, das cidades contemporâneas!
E é exatamente aí que mora o objetivo desta reflexão! Promover, ao mesmo tempo, questionamento e estímulo aos investidores, planejadores, licenciadores, projetistas, usuários, moradores e consumidores das nossas cidades brasileiras, reconhecendo os limites infinitos que ações de restauro, combinadas à renovação, podem trazer para o Brasil, valorizando ou revalorizando o solo urbano, ativando a economia, oferecendo lazer e oportunidade às pessoas!
O Caixa Fórum de Madri nos mostra como a manutenção parcial, ou melhor, a reconstrução parcial das fachadas existentes de um edifício histórico enaltecem a memória e enobrecem o próprio edifício. Com o auxílio da tecnologia e sofisticada solução estrutural, junto à deliberação favorável das instâncias de licenciamento, ele admitiu soluções criativas e inovadoras de suspender e fazer flutuar antigas paredes de tijolo, anteriormente enraizadas no solo e belamente paginadas, trazendo para o espaço livre da praça coberta a potência urbana de sustentá-las!
Essa solução nos mostra como a cidade, junto com a população, investidores e projetistas podem encarar o bem tombado de forma criativa e despojada, em favor da qualidade espacial, do desenho urbano, da inclusão do pedestre, da ativação socioeconômica e cultural e, sobretudo, numa perspectiva muito bem-sucedida de valorização do patrimônio histórico e da memória.
Esse é um belo exemplo de como podemos olhar para o nosso rico patrimônio histórico brasileiro e com respeito e criatividade ampliarmos as oportunidades de restaurá-los de forma combinada com sua renovação, ativando a economia, dignificando e enobrecendo a cultura, combinando passado com futuro, incluindo as pessoas, a experiência urbana e o lazer na perspectiva da renovação e reativação das nossas cidades!
Saudações Polifônicas!
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.