Desastres ambientais cada vez mais recorrentes e a disputa pela cidade cada vez mais desigual

15 de setembro de 2023

Ultimamente estamos presenciando muitas notícias semelhantes em diversas partes do mundo, acerca dos desastres ambientais. Setembro mal começou e já vimos uma enchente catastrófica, decorrida de um ciclone extratropical na Líbia, norte da África, que deixou mais de 20 mil mortos, bairros completamente destruídos e milhares de desaparecidos.

No Marrocos, mais de 2900 mortos em decorrência de um terremoto, além do segundo ciclone em menos de 2 meses no sul do Brasil, o primeiro, ocorrido em julho, deixando mais de 500 pessoas desalojadas e desabrigadas e o mais recente, neste mês de setembro, somando 100 cidades atingidas e 47 mortos. 

Em 2 de agosto, foi oficializado o Dia de Sobrecarga da Terra de 2023. Esta é uma data calculada anualmente para representar o dia do ano em que a humanidade esgota todos os recursos naturais que a Terra pode regenerar no período de um ano: água limpa, solo fértil, florestas e a capacidade de absorção de dióxido de carbono pelo planeta.

O cálculo do Dia de Sobrecarga da Terra é feito pela Global Footprint Network, uma organização de pesquisa que avalia o uso de recursos naturais em relação à capacidade regenerativa do planeta. Com base nesse cálculo, o Dia de Sobrecarga da Terra é determinado e a cada ano, e este dia está chegando cada vez mais cedo por diversos fatores, inclusive as mudanças climáticas. 

Na enchente de julho, fui visitar uma senhora que mora sozinha, em uma ocupação da Restinga, periferia de Porto Alegre, RS. Com a ventania do ciclone, o telhado acabou estragando e haviam muitas goteiras pela casa.

Chegando para uma visita técnica, me deparei com uma moradia extremamente precária, feita de madeira improvisada. O banheiro não funcionava e o telhado era só um dos vários problemas que presenciei ali. Conseguimos uma doação financeira com parceiros para comprarmos uma casa pré fabricada com banheiro para ela. Ufa, um caso feliz. 

Mas e todas as outras famílias? E os vizinhos que também foram atingidos pelo ciclone? 

Os cenários pós desastre estão cada vez mais tristes e infelizmente, as populações mais vulneráveis são as que mais sofrem com os fenômenos ambientais. Famílias que já não tinham muita coisa, perdem tudo. Geralmente quem se mobiliza também tem pouco. Cada um vai ajudando como pode. Dentro do contexto de perder a casa, a mobília, os eletrodomésticos em um piscar de olhos, ainda tem aqueles que perdem a vida, ou a vida de um ente querido.

Quanto tempo leva para famílias que já estavam em vulnerabilidade se recuperarem, física, psicológica e economicamente? Quem dá este suporte? Como evitar esses acontecimentos? Não vou me ater aqui, às estratégias de mitigação de desastres que vão desde um planejamento urbano mais sustentável até sistemas de alerta precoce para eventos extremos, mas sim de um assunto que impacta lá na “cidade informal”:

O polêmico asfalto. 

Sabia que em grande parte de ocupações, áreas de periferias e comunidades vulneráveis os moradores clamam por asfalto? A cada chuva que desce do céu, locais que não possuem pavimentação viram um caos, com muitos buracos e poças, ficando difícil caminhar durante semanas. O assunto sempre é: nossa! quando será que vão asfaltar nossa rua? 

Em paralelo a isso, os candidatos em épocas de eleição, prometem asfalto como uma melhoria absoluta para as comunidades.

Restinga, Porto Alegre
Restinga, Porto Alegre. (Imagem: Karol Almeida, arquivo pessoal)

Só que o sistema de exclusão da população mais pobre da “cidade formal” é tão cruel, a ponto das pessoas não terem o conhecimento que só o asfalto não adianta. Que só o asfalto, prejudica. Que o asfalto sem as bocas de lobo e um sistema eficiente de drenagem urbana não funciona. Que o asfalto só para, literalmente, tapar buracos, o asfalto que é feito em larga escala pela cidade, sem nenhum planejamento e de maneira inadequada, pode ser um vilão.

Além de deixar o solo impermeável, não sendo possível a absorção da água das chuvas, o asfalto pode gerar Ilhas de calor urbanas, impacto na biodiversidade, poluição do ar e água mesmo que indiretamente. Inclusive canso de ver áreas dentro de periferias que alagam em dias de chuva mesmo tendo asfalto. Algumas ruas sem bocas de lobo, outras com bocas de lobo completamente entupidas.

Portanto, essas são as pessoas que mais precisam da informação, educação e conscientização sobre as mudanças climáticas e suas causas. O número de ocupações só aumenta e devido a essas desigualdades, é essencial que o debate sobre as mudanças climáticas coloque as populações mais pobres e vulneráveis no centro das discussões. Por que imagina: estamos falando de intervenções estruturantes para mitigação dos desastres, a periferia ainda está aquém do problema macro e os governantes seguem vendendo a solução do asfalto para ganhar votos.

Ah, e é sempre bom lembrar: Ninguém mora em ocupação e áreas de risco porque acha bonito e fácil. Afinal de contas, quem gosta de morar em locais sem saneamento básico, sem energia elétrica, sem infraestrutura urbana e com risco de deslizamento de terra?

Periferia precisa estar no centro do debate!

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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