Por mais tolerância e urbanidade
Asa Norte, Brasília. Junho de 2025.
Sábado, 8h58. Uma mensagem no grupo de WhatsApp do prédio informa que no gramado ao lado da nossa quadra um palco está sendo erigido. Pessoa 1 demonstra preocupação com seu “domingão silencioso”, já antevendo que haverá perturbação durante todo o dia seguinte. Sugere espalhar a notícia para os moradores dos outros edifícios da superquadra e se coloca à disposição para participar de algum tipo de manifestação contra o que está por vir.
19h41. Pessoa 2 encaminha foto e vídeo furtivos mostrando o movimento noturno das atividades de montagem do palco. Diz não saber do que se trata, ainda.
Domingo, 8h41. Áudio da pessoa 2 que foi até o local para se informar. O evento é da Secretaria de Justiça e Cidadania (ênfase na palavra Justiça). Diz que falaram que o evento deve terminar às 11h, mas a pessoa se mostra incrédula quanto a isso. São enviadas fotos da estrutura do evento, vídeo de ônibus se aproximando e estacionando no gramado, mensagem dando conta do início da passagem de som. Em uma das fotos, no cartaz atrás do palco, lê-se “Movimente-se: viver 60+”
8h58. Pessoa 1 questiona por que o evento precisa ocorrer na nossa janela. Por que não na Esplanada (dois pontos de interrogação), no Estádio (dois pontos de interrogação), no Parque da Cidade (dois pontos de interrogação) etc.
9h. Pessoa 3 advoga pela vida na cidade e busca mostrar o lado positivo de se ter eventos, para nós e nossos filhos, sendo esta a capital do país. Três pessoas reagem com coraçãozinho.
9h04. Pessoa 2 comenta que eventos têm seu lugar e relata uma questão particular.
9h05. Pessoa 1 diz que suas crianças cresceram e que dormem até tarde (reticências). Que domingo é dia de paz e descanso (reticências). Que Brasília está cheia de espaços públicos para essa finalidade e que “aqui é residencial”.
9h25. Pessoa 4 da área da cultura e da música diz que aos domingos quer descanso e silêncio e que não é contra eventos, desde que ocorram em locais apropriados.
Nada mais é dito no grupo.
10h45. Pessoas 5 e 6 (meu marido e eu) caminham curiosas ao local do evento. Encontram um monte de senhorinhas e senhorzinhos, todos alegres, uniformizados com camisetas e viseiras. Uma banda toca um forró delicioso, a uma altura razoável. Veem bancas para medição de pressão e teste de glicemia e ficam sabendo que houve antes alongamento e uma caminhada pelo Eixão do Lazer – via que fica aberta para as pessoas todos os domingos, abrigando várias atividades e para a qual o referido gramado se volta. Passeiam por uma feirinha de artesanato e alimentação onde todos os expositores são idosos. Pessoa 6 conversa com a pessoa 7, uma senhora que adora esses eventos e faz feira porque gosta de interagir com os outros. Pessoa 7 mostra orgulhosa seus bichinhos de feltro.
11h20. Pessoas 5 e 6 dançam um forrozinho abraçadinhos.
11h25. Pessoa 8 no palco com o microfone lembra os participantes que seus ônibus estão saindo para levá-los de volta a seus bairros: Planaltina, Samambaia, Gama etc.
11h30. Pessoas 9 a 13 agradecem a animação do público e encerram o show.
…
A pessoa 6 mora neste edifício há 24 anos. Foi a primeira vez que montaram um palco nesse gramado.
O evento durou 3 horas, num domingo de manhã. Era gratuito, bem estruturado, fofo. Pena de quem perdeu mais essa oportunidade de se abrir para o novo, ampliar seu repertório, exercitar sua tolerância e treinar a urbanidade.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.