Decisão pautada pela informação

12 de setembro de 2023

Historicamente, a administração pública enfrenta o desafio de ter subsídio técnico sistematizado para tomada de decisão. Tanto no planejamento das ideias, como na distribuição de recursos, esse desafio é determinante de ações que podem ser cruciais para as dinâmicas territoriais e seus cidadãos.

Na atual e polarizada crise de ideologias políticas, tem-se buscado um léxico comum para o funcionamento de instituições e apaziguamento de mentes e corações. Porém, o léxico por si também tem variedade de interpretações e significados. 

Com os avanços no uso da tecnologia, e especialmente a decorrente percepção da importância do compartilhamento de dados, nos vemos em uma situação que permite e exige, de pensadores e gestores, avanços também nas análises desses dados, seja para evoluirmos nas ciências ou alcançarmos maior eficácia nos serviços para os cidadãos.

Se a informação continua sendo um bem muito valioso, agora com sua maior abundância temos um desafio suplementar: a escolha da informação mais confiável ou que agrega maior capacidade de conteúdo e análise.

No urbanismo, por exemplo, por muito tempo se tomou alguns dados como parâmetros fundamentais e quase isolados, como a densidade demográfica (que é uma informação tomada a partir do endereço de residência) ou ainda o endereço de trabalho.

Pois, hoje sabemos que o cotidiano das cidades apresenta dinâmicas de deslocamentos e permanências muito variados, além de fenômenos territorializados, e que qualquer análise mais apurada requer um conjunto complexo de informações, combinadas a ponderadas de maneira cuidadosa.

O Processo de Análise Hierárquica (AHP), desenvolvido por Thomas L. Saaty (1991), permite o uso de variáveis qualitativas e quantitativas, analisados dois a dois, para o processo de tomada de decisão de acordo com demandas específicas. Podemos, por exemplo, escolher locais mais adequados para a implantação de determinados programas urbanos, como a ativação de praças do Programa Centro Aberto da prefeitura de São Paulo, ou ainda criar índices para destinação de recursos públicos, ou simplesmente fazer uma escolha pessoal, pautados em variáveis que contribuam na resposta da pergunta principal, mediante a escolha das variáveis mais importantes e das situações mais relevantes em cada variável.

O Índice de Urbanidade e Justiça Espacial, desenvolvido em nossa tese de 2020, é um exemplo que elenca e pondera 17 variáveis entre dados socioeconômicos, ambientais, de trabalho, espaços públicos, saúde, oferta de equipamentos sociais, renda, valor do solo e investimentos públicos, parametrizados a partir de vasta literatura entre legislação e práticas urbanísticas, relatórios da ONU-Habitat e autores da academia.

Explora duas grandes questões (urbanidade e justiça espacial), em um território (a cidade de São Paulo), a partir da análise de vasto universo de informações oficiais e abertas (principalmente disponíveis no portal Geosampa, além do IBGE), ponderadas pelo AHP em grade territorial de 200m2, configurando um ranqueamento de quase 40 mil quadrados no município.

O resultado desse processo evidencia situações extremas, tanto de qualificação quanto de vulnerabilidades, além de situações intermediárias, todos com possibilidades diferentes de tratamentos. Para o alcance da equidade, presente no discurso da maioria dos grupos sociais e políticos atuais, a tomada de decisão passa pelo tratamento cuidadoso desses tratamentos. No poder público temos no mínimo três situações que diferem entre cenários e natureza de atuação para o alcance da equidade:

Esquema de relação “cenário x natureza da decisão”.
Esquema de relação “cenário x natureza da decisão”.

Independentemente do viés político e ideológico, fica claro a partir dessa análise, que em uma situação de grandes disparidades de contextos e materialidades como os da cidade de São Paulo, a equidade só poderá ser alcançada com diferentes abordagens e investimentos públicos para as situações apresentadas. As situações de maior vulnerabilidade requerem investimentos de maior vulto e integração (eficácia), enquanto nas situações intermediárias podem ser mais estratégicos e pontuais, e de manutenção e monitoramento nas mais qualitativas e equilibradas.

Referências:

CANOVA, Katia. Urbanidade e Justiça Espacial na cidade de São Paulo: metodologia de análise e subsídio para tomada de decisão no planejamento urbano. Tese de doutorado, FFLCH/USP, São Paulo, 2020.

Análise Crítica do Desempenho das Operações Urbanas em São Paulo. In Caderno Geral das Operações Urbanas. 2017-2020. SP Urbanismo, São Paulo, 2020.

SAATY, Thomas L. Método de Análise Hierárquica. Tradução: Wainer da Silveira e Silva. São Paulo, McGraw — Hill, Makron, 1991.

Texto de Katia Canova, arquiteta urbanista, com doutorado em Geografia Humana, pela USP, com larga experiência na atuação em órgãos públicos municipais e estaduais, além de instituições de pesquisa no campo do urbanismo e cartografia. Consultora em Políticas Públicas pela Urbi-Carto Planejamento Territorial, e pesquisadora associada ao Lab-Quapá/FAU USP e ao rizoma de pesquisadores Chôros, internacional.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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