De quem é a cidade de 15 minutos?

12 de abril de 2024

…ou como viajar 2 horas para fazer a cidade de 15 minutos dos outros acontecer.

Quando a professora do meu filho Pablo, então com 10 anos, me pediu para ajudar nas atividades da exposição (o tema era Brasília), imediatamente pensei em fazer um mapa da localização das pessoas da escola. É uma escola de ensino infantil e fundamental, localizada no Plano Piloto, uma das Regiões Administrativas de maior renda e que concentra 40% dos empregos formais do DF.

Fomos com as crianças tirar fotos delas e de cada funcionário que elas conheciam: o faxineiro, a professora, o porteiro, a coordenadora… e perguntar onde essas pessoas moravam.

Imprimi um mapa grande do Distrito Federal e área metropolitana e tracei raios de 5 em 5 km de distância, a partir da escola. Escrevi o nome dos lugares de moradia de cada um e, em sala, colamos 56 mini fotos, com as carinhas de 24 funcionários e 32 alunos.

Entre os funcionários, apenas 5 (20%) moravam dentro do raio de 5 km a partir da escola; 11 moravam entre os raios 15 e 30 km; e 8 moravam para além do raio de 30 km. A diversidade de localização incluía 12 das então 29 Regiões Administrativas do DF à época (2008) e 3 cidades goianas.

Entre os alunos, 17 (53%) moravam dentro do raio de 5 km a partir da escola; 9 moravam entre os raios 5 a 10 km; e 6 moravam entre os raios 10 e 15 km. Pablo era um daqueles 17: ele ia a pé para a escola.

Se as crianças gostaram da atividade? Não sei. Eu adorei ver esse retrato, onde a força de trabalho de uma instituição estava espacializada no território.

Existe um conceito da “cidade de 15 minutos”, trazido pelo urbanista colombiano Carlos Moreno. Nela, uma pessoa idealmente poderia trabalhar, estudar, se divertir, comprar e acessar serviços dentro desse tempo de deslocamento, a partir de sua casa, indo a pé ou de bicicleta.

Bem, a menos que essa cidade tenha a área da ilha de Paquetá, já se imagina que seria preciso ter várias “cidades de 15 minutos” dentro de uma cidade maior. Isso suscita reflexões importantes acerca da própria natureza das cidades, algumas das quais o economista americano Edward Glaeser traz neste artigo.

Mas vamos usar nosso exemplo para trazer outra discussão.

Na “cidade de 15 minutos” do meu filho tem uma escola na qual 80% de seus funcionários não estão a 15 minutos de suas casas. Na verdade, demoram, em média, umas 2h para chegar ao trabalho. Tem também supermercado, farmácia, salão de beleza e academia de ginástica cujos atendentes e profissionais, em sua maioria, não estão a 15 minutos de suas casas. As ruas são varridas e o lixo é recolhido por pessoas que certamente não estão a 15 minutos de suas casas.

Pode ser que em outras localidades do planeta não seja assim, mas é isso que acontece em muitos bairros de alta renda, nas nossas cidades desiguais: eles atraem gente de longe, porque, em geral, neles há mais oferta de empregos e melhores salários. Mas uma das faces perversas dessa situação é que muitos dos salários não são tão bons a ponto de permitir que essas pessoas morem nesses bairros (se quiserem), e assim fiquem mais perto de seus empregos.

E no bairro mais distante do centro, com população de menor renda, onde mora uma funcionária da escola? Será que os serviços oferecidos a uma distância de 15 minutos da casa dela são prestados apenas por moradores da vizinhança? Minha hipótese é que não, e a sua?

Demorar mais que 15 minutos para chegar a seu trabalho é a realidade da maioria dos brasileiros, e isso não precisaria ser tão penoso se tivéssemos outra política de desenvolvimento urbano e mobilidade, e se as cidades tratassem bem seus pedestres e ciclistas. No entanto, sem esquecer essa questão fundamental, o fato é que cada loja, cada serviço, cada equipamento público é um atrator de gente de todos os cantos, é um ponto de contato entre quem é daqui, e tem a vivência daqui, com quem é de lá, e tem a vivência de lá. É um local de reunião de diferenças, coisa fundamental para a urbanidade.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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